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"Veganismo é filosofia de vida"

"Veganismo é filosofia de vida"

O advogado Bruno Bacellar, 30, e a esposa, Camila Comin, são veganos há quase quatro anos. Ele diz que diferente dos vegetarianos os veganos são ativistas e é uma condição muito além da alimentação, é uma filosofia de vida. Casado, ele tem um filho de quatro anos e enfrenta os desafios de alimentar e educar o filho dentro da nova filosofia. Admite dificuldades, como evitar docesà base de leite e ovos em festas de aniversários, eventos de escola e outras situações públicas. Mas tenta contornar. Saiba mais sobre a filosofia e as ideias veganas.

GIROMARÍLIA – Quando você diz que é vegano, qual a primeira reação das pessoas?

Bruno Bacellar – Na grande maioria das vezes perguntam o que é, desconhecendo o conceito da expressão. Nessas ocasiões explico que o veganismo é um movimento abolicionista que visa o fim de todo tipo de exploração animal. É uma filosofia de vida que visa na medida do possível, respeitar e não explorar todas as formas de vida.

Nesse dia sim poderemos chamar a civilização global de humanidade, por ora somos apenas desumanidade.

Esse é o ponto chave do veganismo, a libertação animal e o fim do especismo, entretanto existem pessoas que se comportam como veganos por outros motivos, como preservar a própria saúde ou para preservar os recursos naturais do planeta, já que a pecuária é um dos grandes vilões da preservação ambiental.

A diferença entre o vegetariano e o Vegano, é que o vegetarianismo se limita à alimentação, sendo possível usar sapatos de couro, roupas de seda, botões de chifre, cosméticos de empresas que testam em animais, sabonetes de origem animal enquanto o Vegano não consome qualquer produto de origem animal.

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GIROMARÍLIA – Sua postura desperta preconceito? Ironias?

BB – Muito! Algumas pessoas são extremamente agressivas nesse sentido e visam a qualquer custo ridicularizar a filosofia vegana. Ironicamente, geralmente, são as pessoas que mais precisam em termos de saúde. São aqueles que o maior prazer da vida é se drogar com álcool e se empanturrar de carne no churrasquinho de fim de semana, enquanto passam a semana se drogando com remédios, um para acordar, um para dormir, um para a ansiedade, um para a gastrite, isso quando já não estão enfrentando algo mais grave como diabetes, hipertensão, obesidade etc.

Infelizmente, para esses últimos, seus discursos doentes e carnistas têm tido cada vez menos espaço, pois a consciência sobre a senciência dos animais tem se reafirmado repetidas vezes nos meios científicos acadêmicos fazendo com que cada vez mais pessoas despertem para essa nova consciência.

Essa é uma realidade muito presente não apenas por aqui, mas por todo o mundo, indo desde países desenvolvidos tais como Alemanha e Austrália, até países em desenvolvimento como China e Brasil entre outros como Israel e Índia.

É importante ressaltar que também existem muitas pessoas que são mais abertas ao assunto e assim sendo, seja por sensibilidade ou por cultura se interessam e provocam um “papo” que se estende por horas, causando a indignação dos mais carnistas rsss

GIROMARÍLIA – Em que momento você decidiu tornar-se vegano? Até que fase da vida comeram carnes e derivados?

BB – Tornamos-nos ovo-lacto-vegetarianos (não consomem carne vermelha ou branca, mas consomem ovos e derivados de leite) entre 2008 e 2009 após assistir um documentário chamado “ A carne é fraca” em que são mostrados os horrores da indústria da exploração animal. O documentário está na internet (https://www.youtube.com/watch?v=g0VoeRNEKnE)

Já para o veganismo, despertamos mais ou menos em 2011/2012 após assistir uma palestra do ativista norte-americano Gary Yourofsky em que ele explicava o porquê tomar um copo de leite é tão nefasto quanto comer um bife. As pessoas pensam “ah tirar o leite não causa sofrimento ao animal”…entretanto não é bem assim, a realidade é muito mais dura e cruel. Também pode ser visto na internet (https://www.youtube.com/watch?v=8bH-doHSY_o )

GIROMARILIA – Qual é a maior dificuldade nesta escolha?

BB – Para os iniciantes ou aqueles que pretendem se iniciar, acredito que as maiores dificuldades sejam a pressão social contrária, o desconhecimento da culinária livre de crueldade animal e a dificuldade para comer fora de casa, seja em restaurantes ou na casa de amigos e familiares.

Para a gente aqui de casa e para os mais experientes acredito que a única dificuldade seja continuar vivendo nesse mundo tão desumano sabendo que nossos irmãos animais não-humanos estão sendo exterminados no maior holocausto da história da humanidade apenas pelo prazer fugaz de uma sociedade doente física e psicologicamente, que encontra-se inconsciente pelo consumo.  

Veganos estão tradicionalmente ligados a ações de proteção a animais. A proteção nasce do fato de ser vegano ou tornaram-se veganos em função desta consciência de preservar animais?

O veganismo em si é uma forma de ativismo, pois a partir do momento em que você não consome morte e exploração, você deixa de pagar para que matem por você, o que poupa vidas. É interessante destacar aqui que muita gente seria vegetariana se para elas comer carne dependesse de laçar a vaca no pasto, enfiar uma faca no pescoço, ver o sangue escorrer, tirar a pele e a barrigada, cerrar os ossos e por fim cortar os tendões e a carne.

É importante destacar também que defensor de gato e cachorro não é defensor de animais. Para a gente é muito triste e incompreensível ver o grande número de pessoas que se dizem amantes dos animais e tratam seus pets como reis e rainhas enquanto continuam a saborear (apenas por prazer e por hábito) bebês anêmicos de vaca (vitela), patês de fígados de patos artificialmente adoecidos (foie gras) ou ainda pior, celebram o nascimento de Cristo em volta de um cadáver de leitão prematuramente arrancado de sua mãe com os dentes e testículos arrancados e cortados sem qualquer anestesia.

Nesse contexto é importante ressaltar que os porcos são animais mais inteligentes que os cães e assim é por simples imbecilidade cultural que as pessoas reiteradamente paparicam cães e continuam a assassinar os porcos. Por isso NÃO! Bacon não é vida, como diz a piadinha de que bacon é vida; e esse tipo de piada para mim é tão repugnante quanto piadas racistas ou que envolvam temas como estupro e pedofilia.

São seres sencientes que nascem para a morte e são torturados durante toda a vida com maus tratos, mutilações, injeções de hormônios, gaiolas ou áreas minúsculas e imundas e esse tipo de coisa não comporta piadas trocadilhos ou qualquer sentimento que não seja o de profundo pesar de sermos responsáveis por esta dura realidade.

GIROMARÍLIA – Qual a dificuldade em educar um filho com hábitos veganos? Como fica em festas de aniversário por exemplo?

BB – A dificuldade é a mesma de ser Vegano, ou seja, a dificuldade é a pressão social contrária. O que não faltam são pessoas para dizer que nosso filho ficará anêmico, fraco, doente, etc.

Temos uma profunda convicção, baseada em estudos sérios, de que produtos de origem animal são completamente desnecessários para um saldável desenvolvimento do ser-humano em qualquer idade, mas mesmo assim, por valorizarmos a reflexão e a tomada de atitudes baseada na razão e não no senso comum, na tradição ou no costume, não impomos o veganismo, deixando que nosso filho faça as próprias escolhas.

Carnes ele não come de jeito nenhum, mas com os doces derivados do leite geralmente é o oposto. Assim como a maioria das crianças ele fica louco para ganhar os doces, mas como não compramos e nem temos nada em casa, ele acaba comendo apenas em ocasiões como festas e aniversários o que limita bem o consumo. Além disso, costumamos alimentar bem ele antes das festas e levar doces e salgadinhos veganos para que caso tenha fome, ele possa optar pelo alimento Vegano. Sendo assim, não proibimos, mas também não damos qualquer tipo de estímulos.

GIROMARÍLIA – Vocês deixam de ir a churrasco na casa de amigos? Quando vão levam pratos veganos?

BB – Até hoje, conscientemente não (talvez inconscientemente), mas a cada dia que passa é mais difícil sentar na mesa para comer velando cadáveres picados sendo devorados. Às vezes, se o anfitrião demonstra interesse, levamos opções veganas, mas apenas para divulgar o veganismo, pois já desenvolvemos o hábito de comer em regra em casa, assim, mesmo quando vamos à festas costumamos nos alimentar antes de ir.

GIROMARÍLIA – A cidade tem opções em restaurantes veganos? Mesmo que nos restaurantes tradicionais posam consumir só saladas, risotos e outros produtos, como sabem que o preparo não envolve produtos de origem animal?

Não existe em Marília nenhuma opção de restaurante 100% Vegano, mas existem alguns capazes de satisfazer nossas necessidades com boa variedade (restaurantes vegetarianos da Carlos Gomes e da 7 de Setembro, Cozinha V que trabalha com encomendas pelo facebook)  e ainda outros que possuam ao menos um ou dois pratos veganos (Bella Cucina, Mamma Mia, Niha, self services em geral).

Sobre os ingredientes, a única forma de saber é perguntando, conversando com o gerente ou com o cozinheiro. É impossível ter 100% de certeza e muitas vezes podemos notar a intenção deles em “empurrar” algo como Vegano, ai precisamos apelar e dizer que alguém tem uma alergia severa, que caso coma produtos de origem animal vai direto para o hospital em coma, os ingredientes costumam aparecer rapidinho rssss.

GIROMARÍLIA – O mercado tem em Marília oferta de produtos veganos?

BB – Existe sim muita junk food vegana, inclusive em Marília, tais como sucos, bolachas, sorvetes, etc. Obviamente as opções não são tão variadas como em grandes centros e em países mais desenvolvidos, onde existem lojas e marcas especializadas, mas da para o Vegano iniciante (ou aqueles que não se importam com a própria saúde) se virar bem.

Aqui em casa o hábito de ler rótulos e ingredientes (para ver se contém produtos de origem animal) teve um efeito parecido com aquele que acontece com pessoas que leem bula de remédio e perdem a coragem de consumi-los. Supermercado para a gente se resume praticamente à parte de frutas, verduras e legumes e mesmo assim esse consumo vem diminuindo, pois estamos muito preocupados com o consumo de agrotóxicos, o que está fazendo com que migremos para os “orgânicos” de hortas da cidade e da região.

A atuação dos veganos tem divulgado informações que impressionam mesmo quem não segue, como o fato de corantes e outros ingredientes de origem animal. 

Sim, muitos alimentos são corados com cochonilha (um pequeno inseto usado para produção do corante carmin, aplicado em alimentos, especialmente sucos e outros produtos de frutas vermelhas). Não sei como as pessoas tem coragem de comer isso e também não entendo por que essas mesmas pessoas ficam horrorizadas com pessoas de outras culturas que comem grilos, besouros e gafanhotos. 

GIROMARILIA – Consome algum produto em especial focado a substitui proteínas animais?

BB – Sim claro! Quinua, amaranto, chia, feijão, arroz, grão de bico, soja, amendoim, gergelim, castanhas, brócolis, couve, coco, abacate, cogumelos, algas, entre vários outros. Enquanto o carnista come carne e se sente nutrido, comemos “N” alimentos que suprem com muito mais eficiência nossas necessidades vitais.

E antes que alguém pense que esta é uma alimentação cara e para poucos, que fique claro que isso é um mito, como sabemos de tempos em tempos surge um alimento da moda ou uma nova dieta caríssima, mas o bom e velho arroz com feijão com vegetais escuros refogados, acompanhados de legumes cozidos e uma salada variada com um guacamole cheio de energia sempre deram e sempre vão dar conta do recado, independentemente do que a indústria da exploração animal, focada nos lucros, digam.

GIROMARÍLIA – Há algum tipo de divulgação, ação coletiva ou de valorização dos hábitos veganos? De que forma isso é feito na cidade?

BB – Sim, existem muitos sites, ONGs e pessoas que se organizam para a divulgação do veganismo através de atos e manifestações com a intenção de demonstrar para o “público” que o especismo é tão nefasto quanto o racismo ou o sexismo, entretanto desconheço qualquer iniciativa nesse sentido aqui na cidade. Nesse ponto é importante destacar o ativismo através das redes sociais que são importantes ferramentas de divulgação e integração de veganos, vegetarianos e simpatizantes.