Marília

Justiça proíbe PM paulista de emprego de “bala de borracha” em manifestações

Justiça proíbe PM paulista de emprego de “bala de borracha” em manifestações

Se você possui um sistema de alarme em casa, preste atenção. Se não, imagine que o tenha: por decisão judicial e após ter entrado em casa sem se lembrar que o havia acionado, consequentemente, o dispara. Alguém se incomoda e reclama judicialmente: você terá, por decisão judicial, que retirá-lo, não mais podendo se prevenir dos arrombadores. Complicado? Difícil? Técnico? O que acha disto?

Pois a Polícia Militar do Estado de São Paulo passa por algo parecido neste exato momento: juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública concedeu liminar que atende a ação movida pela Defensoria Pública que alegou ser seu objetivo o de reivindicar que as ações da Polícia Militar garantam o direito de manifestação de forma inteligente (para entender o caso, clique aqui)

A Polícia Militar é o único braço do Estado presente em todas as 645 cidades paulistas, que vai até onde quem precisa, seja um cidadão mais privilegiado em alguma alameda diante de uma situação de socorro, seja um cidadão em condições precárias de sobrevivência em uma mesma situação, mesmo que de madrugada e nas periferias, em que ninguém, sequer, saiba que exista.

Se duvida, leitor, peça aos demais órgãos públicos – ou, mesmo, privados – para que compareçam às mesmas situações. Além disto, é a única Instituição deste mesmo Estado que possui o dever de empregar a força por imposição, sempre nos limites do que a lei permite.

Pois bem: insatisfeito com alguma decisão nacional, ao percebermos muitos outros cidadãos com a mesma insatisfação, decidimos organizar (organizar, não bagunçar ou vandalizar) uma manifestação cujo foco seja a de deixa-la bastante clara. Nossa Constituição Federal cita que todos podemos nos reunir pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustremos outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo necessário apenas o prévio aviso à autoridade competente. Preocupados com isto, informamos a Polícia Militar sobre a nossa intenção, informando-lhe o dia, horário, local e motivação do evento, com uma previsão da quantidade de pessoas que estarão presentes, com a mesma reclamação.

Os gestores da Instituição, com a participação dos mesmos organizadores (organizadores, não baderneiros ou vândalos), então, traçam um plano bastante preciso, definindo o emprego de recursos humanos e materiais que, obviamente, por serem públicos e pagos com nossos impostos, são limitados e direcionados para que se garanta, no dia, horário e local do evento, o exercício pleno do nosso direito de manifestação e, ao mesmo tempo, que a imensa outra maioria de cidadãos, que não tenha o mesmo problema e, consequentemente, não se interesse em participar, optando por manter suas rotinas de ir ao trabalho ou escola e voltar tranquilamente para casa, também garanta o seu – o de ir e vir em segurança.

Tudo pronto, coloquemos um pitada nesta história: outro grupo de pessoas, jovens, rebeldes sem causa, convida diversas outras pessoas, jovens, rebeldes sem causa, a se reunir no mesmo local, data e hora, para assistir ao que se passará. Convidados pela internet, de forma quase instantânea, lá estão, no mesmo local, data e hora que nós, os que buscam melhorias na qualidade de vida e insatisfeitos, havíamos previsto para levar nossas esposas, maridos e filhos, a um ato de cidadania que, por fim, não deixa de ser o ensinamento do próprio exercício de cidadania.

No entanto – como pelo eterno Garrincha ao técnico da seleção brasileira de futebol de 1958, Vicente Feola, após receber instrução de, em jogo contra a União Soviética, correr pela ponta direita, driblar um primeiro adversário, um segundo e, após, cruzar a bola na área, perguntado “… mas o senhor já combinou com os russos?” – ninguém havia combinado que apareceria este outro grupo (nem eles mesmos) e a coisa começa a sair fora do riscado… . Os jovens, na melhor hipótese, chegam com alguns já embriagados e abraçados, ombro-a-ombro, com roupas peculiares, alguns com máscaras ou camisetas que façam as vezes, e garrafas de vidro às mãos. Um destes grita que o filho de um dos cidadãos da manifestação reivindicativa, que busca melhorias na qualidade de vida e está insatisfeito, estaria de olho em sua namorada. Se havia pólvora e muito oxigênio, a faísca aí está: uma garrafa arremessada em represália e a necessidade de a Polícia Militar, por um de seus agentes, prender o jovem embriagado por agressão ao jovem insatisfeito (e, agora, ferido).

Outros tantos jovens decidem então, em comportamento de bando, tal qual as maritacas, gritarem um mais que o outro e revoarem por todos os lados. Partem, instintivamente, para cima dos Policiais Militares: agora, o número de agentes, que fora previsto para somente a primeira manifestação, dentro de um plano bastante preciso, com emprego de recursos humanos e materiais que, obviamente, por serem públicos e pagos com nossos impostos, são limitados, já não mais se faz suficiente: o Estado, assim, já não mais poderia cumprir suas missões – a de proteger as pessoas, cumprir as leis, combater o crime e principalmente garantir a ordem.

Notemos que o Policial Militar, em seu dia-a-dia, possui uma arma de fogo para o pronto emprego, em seu cinturão, ao lado de sua mão forte. Munição: letal. Morte. Em movimentos sociais como estes, se desfaz da letalidade e se equipa com munições de impacto controlado, cujo objetivo é reduzir a letalidade quando empregadas e, mais, que os próprios Policiais Militares preferem utilizar: como quaisquer outros profissionais da sociedade, só querem apresentar um bom trabalho e voltar para suas famílias, não correrem riscos físicos e jurídicos que, naturalmente, surgem em embates como estes – ao contrário do que se pensa, o agente público pode, sim, ser preso por agir, deixando sua família à mercê da sorte.

E, dentro deste grupo de materiais, está o elastômero, munição de polímero (borracha) que visa substituir  a munição metálica, letal, que, agora e por decisão em liminar do juiz da juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública, não mais pode ser substituída por uma de menor impacto.

O embate com os jovens se acirra e o Policial Militar se encontra desarmado, mas sabedor de que, à retaguarda, algum de seus companheiros irá fazer sua proteção se valendo de outros recursos, principalmente da munição de impacto controlado. O que ele não sabe é que a liminar impediu que seu companheiro se preparasse com tal equipamento. O que ele não sabe é que seu companheiro não garantirá sua proteção, da mesma forma que ele, o próprio Policial Militar, não poderá mais, diante de uma liminar, proteger os cidadãos que buscam melhorias na qualidade de vida e insatisfeitos, depositando suas confianças na Instituição. A isso, dá-se o nome de efeito dominó.

Lembre-se: o Policial Militar não é ser vindo de outro planeta e, como tal, é pessoa como eu, você e todos os demais cidadãos de bem, ocupando, em sua imensa maioria, a classe média, pagadora de impostos. Mas, infelizmente, muitas vezes tolhido de seus instrumentos de trabalho ou de garantias legais que lhe permita exercer adequadamente a profissão que escolheu exercer.

Acachapado pela mídia jornalística e, pela influência desta, pela opinião pública que se submete como massa de manobra, sem capacidade de reflexão, são vistos de forma inversa, não como protetores e heróis que são – os únicos que juram defender o próximo com o sacrifício da própria vida.

Assim, se frustram. Assim, quando se percebe, o Policial Militar se enxerga engrossando o coro da classe média, dos pagadores de impostos que pagam os salários de todos os agentes públicos, inclusive o dele, o do defensor público, o do juiz e o do governador: é mais um que, insatisfeito, busca somente melhorias na qualidade de vida. E de trabalho.

Marcos Boldrin, mestre e especialista em segurança pública
http://marcosboldrin.com.br