Marília

Parem de gracinha

Dilma Rousseff não é a presidente que quase 90 milhões de brasileiros queriam. A defesa para o escândalo do mensalão não só tenta convencer o eleitor que toda a movimentação da fortuna citada foi um caso banal como, pior, tenta convencer você que a relação do PT com o PTB, o PP, o PRB e outros Pês bem menos educados e honrados, era feita só na base do amor e apoio ideológico.

Os partidos que o PT passou a vida atacando e que foram governo com todos os governos – inclusive com os tucanos – em todos os escândalos deste país, de repente eram convertidos. Não eram e o PT nunca vai conseguir dizer em público o que é que entregou na barganha para conseguir o apoio de todos estes partidos.

Mas a relação promíscua com o Congresso não estava acontecendo pela primeira vez, é história velha. E querem repetir.

Isso posto, é preciso dizer que um número ainda maior de brasileiros não quis Aécio Neves, não quis Marina, não quis Eduardo Jorge ou Levi Fidelix. E como o jogo tem regra, vamos ter que ir de Dilma mesmo.

A questão é saber se vamos ter que ir também com o jogo sujo de sempre, que estava lá quando Sarney ganhou cinco anos de mandato, estava lá quando FHC ganhou a reeleição, estava nas Assembléias quando as contas dos superfaturamentos do metrô foram aprovados.

Na semana em que poderia estar comemorando a suada reeleição, a presidente Dilma (eu não chamo de presidenta de jeito nenhum, perdão madame) enfrenta o mercado financeiro, enfrenta votações rebeldes no Congresso e uma chiadeira dos derrotados. É a divisão do país gritando? É e não é. Não é pelo menos o eleitor insatisfeito.

É o mercado rugindo para tentar ser ouvido – o mercado e os privatizadores perderam até onde se sabe – e é o congresso rugindo – quem perdeu ou ganhou está valorizando o passe, valorizando a negociação.

A briga na Câmara e Senado tem cores e tons para todos os gostos. Tem os parlamentares que ficam e querem espaço em seus partidos, no governo e nas verbas. Tem parlamentar que vai sair mas ainda influencia governos estaduais. Tem parlamentar que vai pra casa e tenta fazer a última graça. E, claro, tem parlamentar que vota de forma consciente, seja contra por questões ideológicas, seja simplesmente para ser contra o governo.

Mas o Congresso não está “refletindo a divisão do país”. O Congresso está refletindo o jogo de forças o para dividir o controle da máquina e testar como a presidente (ente, assim como coerente, contente, docente, requerente, assistente) reage às novas movimentações de forças políticas.

Dilma tem a caneta, as verbas, os programas sociais populares, os acordos com os governadores e um imenso potencial a negociar com prefeitos, de quem os deputados também dependem. Então o jogo de forças vai muito além do Congresso. E eu nem estou dizendo que a presidente está certa ou errada, que é a boa ou péssima, só estou lembrando que o jogo tem sido assim há muito tempo.

O rugido do congresso busca espaços políticos, busca impor limites para as tais reformas. A voz das ruas mesmo não tem mais ninguém falando, pelo menos enquanto o eleitor estiver em casa, longe das ruas.

E a divisão do país segue a mesma que existe há 500 anos. Os muito ricos, os nem tanto que batalham todo dia para subir ou não cair e os muito pobres. Essa divisão, esta linha, não tem região.

Está em todo o país, assim como as riquezas e defesa dos ricos. Ronaldo Caiado, uma das principais vozes da oposição à Dilma e famoso pela UDR – alguém lembra dela além dos trabalhadores rurais que tomaram tiro? – não está no Sudeste. Dilma ganhou em Minas, no Rio, em mais de 30% do Rio Grande do Sul e em cidades de São Paulo.

Grandes marcas comerciais e empresariais – como o Grupo Jereissati, de tradicionais caciques tucanos – estão no nordeste. A linha que divide o país não aparece no mapa, aparece no extrato bancário.