Marília

O mínimo é conhecer a história

O mínimo é conhecer a história

Homens torturados com diferentes níveis de sequelas, em um dos casos mais graves os olhos saltaram da face. Mulheres agredidas e violentadas encontradas com diversas marcas de tortura, um caso de seios quase arrancados. Uma freira vítima de tortura sexual. Padres vítimas de tortura com choques nos genitais e diferentes formas de agressão.

Em qualquer guerra essas cenas de barbárie renderiam coalizões militares de libertação das vítimas. Em qualquer guerra, inimigos presos devem, desde quase cem anos atrás, serem protegidos por um nível mínimo de respeito e resguardo dos direitos humanos. Mas não foi uma guerra.

As vítimas foram brasileiros atingidos dentro de instituições do governo. As vítimas foram em repetidas vezes pessoas com pouco ou até nenhum envolvimento em ações contra o governo.

Foram reféns de uma ditadura brutal, que serviu a proteger e fazer fortunas, aumentar a desigualdade social e criar um modelo de polícia violento que age até hoje. É um debate diferente de ser defensor de um modelo econômico ou do outro.  O grande crime impune da ditadura foi tirar de opositores presos de forma abusiva, dominados com violência, a oposição as condições mínimas de direitos humanos.

A ditadura começou – como sempre – atropelando a lei e o direito de todo o cidadão, rasgando a constituição. Grandes empresas, mídia e uma classe média amedrontada ajudaram um golpe que levou a 21 anos de produção de analfabetismo político, falta de participação popular e formação de cartéis e coronéis de todo tipo.

Mas o relatório da Comissão da verdade, que apontou nesta quarta-feira 434 mortos e desaparecidos e 337 criminosos, não fala disso. Não fala da proteção a grupos estrangeiros, não fala da desigualdade social, não fala da falta de investimentos, de gastos sem fiscalização, de proteção, de prefeitos e governadores biônicos, de cassações.

O relatório fala de crimes, de mortes, torturas e violência física, de psicopatas pagos com dinheiro público para cometer atrocidades oficializadas, institucionalizadas. O documento sai com boa parte dos envolvidos já falecidos e um grande número de vivos que não serão punidos, responsabilizados e nem pagarão nada por seus atos de violência.

É muito mais tranquilidade do que merecem. É muito menos do que países menores fizeram para passar a limpo sua história.

E com todo esse histórico de violências absurdas, de agressões inomináveis, a oposição conseguiu transformar o relatório em um caso de ataque ou defesa do governo. O argumento mais popular é lembrar a mal explicada morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, líder petista morto em circunstâncias nunca devidamente esclarecidas, que não rende tanto discurso oficial.

Nem precisa disso para desmoralizar o governo em relação à ditadura. Tá cheio de defensor do golpe militando na base governista, o mais famoso o senador José Sarney, que ajudou a sustentar o regime até a última chance. Nem é caso de satanizar oposição, o PSDB tem o senador Aloysio Nunes e o ex-presidente Fernando Henrique como vítimas e intelectuais que enfrentaram em diferentes situações os militares.

A esquerda tem seus esqueletos no armário também em mortes sem nenhuma necessidade ou justificativa moral, famílias que perderam filhos e irmãos, marido sem esposa e vice-versa.

Nada disso desfaz o absurdo maior que o cometido pelo governo não eleito pelo povo em um grande país financiando pelotões de psicopatas nas mais diferentes formas de atropelar direitos, maltratar, abusar, agredir e matar outros seres humanos.

Não é aceitável no Estado Islâmico de hoje, na Bósnia de anos atrás, nos atos terroristas da década de 80, na máfia italiana e tão pouco na ditadura brasileira.  Em todos os casos os defensores dos crimes oscilaram entre bandidos agindo por interesse e má fé ou débeis mentais, que deveriam estar presos ou, no mínimo, sob tratamento. Estavam governando e tomando conta da segurança. O mínimo a fazer é conhecer essa história.