Marília

Outra morte, as mesmas lições

A morte do adolescente vítima de dengue choca, emociona e provoca desde terça-feira todo tipo de reação, como tradicionalmente acontece com morte de adolescentes ou crianças. Onde entram emoções demais sempre há risco de perda da racionalidade, mas é o tipo de caso com novas vítimas e velhas lições a tirar.

A dengue precisa ser pensada em tempo integral. A Prefeitura de Marília não faz – e não fez – o que deveria, o cidadão não faz – e não fez o que deveria – e como não havia tantos casos e divulgação, virou o que virou.

A ideia geral é estabelecer culpados. Uma velha forma de buscar uma bengala emocional ou moral para o público. Para a família não vai haver mudança. Para o controle da dengue também não. O que muda é buscar atitudes para não repetir os erros.

E aí a Prefeitura tem culpa e deve ser cobrada para tornar permanentes os cuidados com a dengue, para fiscalizar os moradores como deve, para melhorar seus serviços, que são péssimos.

O poder público vive de festas midiáticas e frases feitas. Mutirões, campanhas, forças tarefas. Balelas, mentiras, propaganda. O último mutirão de obras e limpeza foi uma farsa, os bairros por onde ele passou seguem retratos de abandono em buracos, sujeira, falta de notificações a proprietários.

A campanha toda da dengue vive de factoides. Visitas para flagrar criadouros de mosquito em um ou outro endereço, escolhido a dedo sabe Deus por quê. Quantas vistorias dessas foram feitas em junho? Quantos depósitos de entulhos visitados? Quantos caminhões de entulho recolhidos? Que programa de coleta seletiva incentivado?

Quantas borracharias? Quantas casas visitadas quando não havia epidemia? Qual a estrutura para o departamento de controle da doença enquanto ainda era prevenção? Quantos proprietários orientados ou notificados?

A correria começou depois de constatada a epidemia. O caos na saúde só serviu a render publicidade de um “estado de emergência” que serve bem a contratos sem licitação e gastos com pressa.

Estivesse nas ruas com maior efetividade o ano todo, limpando e pressionando a limpar, a prefeitura não estaria em emergência, a dengue não estaria no quadro que atingiu.

Seriam maiores as chances de João Renato estar vivo, assim como das duas outras vítimas. Seria menor o número de famílias sofrendo com crianças e adultos doentes, afastados do trabalho, com dificuldades para cuidar de suas casas e afazeres.

A prefeitura não é culpada sozinha pela dengue. A população erra junto. Erra quando descuida, erra quando não cobra, erra quando bate palmas aos factoides de agora.

Qualquer ação que o poder público faça agora não será mais que a obrigação. Há muito a fazer, inclusive para que os moradores façam sua parte também.

João Renato foi uma perda descabida, que poderia ser evitada. Há outras vidas a preservar e muito a fazer, muito além de discursos, muito além de emergências. Falta ainda política pública permanente de controle da dengue, da sujeira, do descaso. Começa com poder público e a cidade aprendendo a fazer.