No lugar da crise

Há dez anos atrás o sociólogo alemão Elmar Altvater, um estudioso contumaz das crises econômicas no século XX, reiterava a sua convicção de que algo novo estava surgindo no cenário econômico mundial. Lembrava que o fim da Guerra Fria e o impulso dado à internacionalização da economia na década de 1990 foram saudados com entusiasmo e como uma nova era de prosperidade universal. Criterioso, Altvater nunca partilhou deste entusiasmo, atento aos múltiplos inconvenientes e complicadores que a nova realidade política e econômica mundial prenunciava para o futuro. Ele não estava só.

A Organização das Nações Unidas logo procurou alertar governos, espíritos e sociedade para os novos tempos. Uma série de conferencias foi promovida para esclarecer e debater as perspectivas do meio ambiente, da educação, da cultura, da saúde, da habitação, do desenvolvimento social, da condição da mulher. A primeira crise financeira da globalização veio antes que a década terminasse, já em 1998. A crise social não interrompeu sua ascensão, tomou novo impulso após a crise de 2008. O Brasil foi palco privilegiado para a observação da realidade mundial na virada e no início deste século XXI

 

De crise em crise

Altvater preocupara-se não apenas com os riscos sociais embutidos na rápida e voraz expansão da economia de mercado sobre países do extinto bloco soviético e seus congêneres fora da Europa, na África, Ásia e na América Latina. Desde logo, indicou os trilhos pelos quais as futuras crises da economia mundial passariam rumo a desastres incalculáveis, mas previsíveis. Um é bastante concreto: a crise ambiental e social que se avoluma com o uso e os efeitos das energias fósseis (petróleo, carvão e gás). O outro, é um tanto abstrato: o volátil e fugaz mercado de títulos de investimentos que se alastrou pelo mundo afora e sem regulamentação ou tributação alguma.

Em 2008, a crise financeira eclodiu nos Estados Unidos, expondo as fragilidades do sistema bancário na maior economia industrial do planeta. A desorientação na economia mundial espraiou-se e ameaçou transbordar em ondas de novas e sucessivas crises. A catástrofe social foi entregue à própria sorte, banida do noticiário, das reuniões e das deliberações governamentais. Fome, mudanças climáticas, conflitos armados, migrações, degradação ambiental lavraram soltas nos anos seguintes. Seguem assustadoras sob o nariz de cada um de nós.

 

O Brasil diante da crise

Em 1998 o, então, presidente-candidato Fernando Henrique Cardoso assoprou aos empresários, parlamentares e candidatos rivais a dimensão da crise financeira em curso. Fez promessas e assertivas sobre o câmbio etc. Eleito, esqueceu o que dissera nas eleições e promoveu a desvalorização cambial. O estelionato eleitoral atendeu aos reclamos dos investidores internacionais e apertou os cintos da vida dos brasileiros. O segundo mandato de FHC foi o inferno para assalariados, funcionários públicos, aposentados, desempregados, agricultores familiares e Sem Terra. Foi uma alegria para a mercantilização da educação e da saúde, para os bancos e os “empreendedores” nacionais de plantão diante das agências governamentais, como o BNDES.

Em 2008 o Brasil esquivou-se dos reflexos da crise que brotava no hemisfério norte. A economia crescia e a descoberta do pré-sal no ano anterior anunciava o impulso do País rumo ao futuro. A lentidão na recuperação da economia norte-americana, a paralisia que afetou a da Europa e a redução no ritmo do crescimento na China e na Índia fizeram subir a impaciência dos indóceis global traders.

Em 2012 a pressão sobre as economias industrializadas no hemisfério sul aumentou incessantemente. Nas eleições do ano passado a pilhagem dos ativos nacionais brasileiros tornou-se alvo explícito e indisfarçável cobiça em editoriais, artigos e reportagens da mídia econômica e nas manifestações da comunidade financeira internacional. A ansiedade dos especuladores internacionais exalava nas furiosas declarações do candidato Aécio Neves (PSDB) e de seu ex-futuro ministro Armírio Fraga.

O atual projeto do senador José Serra (PSDB) para o pré-sal revela a mão do gato que ainda ronda a economia brasileira, passadas as eleições presidenciais.