A expressão clerical fascismo surgiu com o golpe de Estado na Áustria, em 1934. Depois serviu pra qualificar também o franquismo, na Espanha, e as ditaduras latino-americanas. Hoje, ajuda-nos a entender porque o passado nos julga e segue impiedoso. O nazi-fascismo, que se suponha nas catacumbas da história, ressurge como a Fênix da Ignorância. A Caixa de Pandora não traz o “fim dos tempos”, mas sim o colapso da inteligência, da razão aliada à liberdade e à autonomia.

No presente, assistimos boquiabertos ao clerical fascismo avançar em várias frentes, incluindo o Congresso Nacional comandado pela Bancada BBB: boi, bíblia, bala. Em manhãs cinzentas, observa-se o ensaio para a próxima fase: a ocupação do espaço público. Uma marcha clerical fascista evangélica, com vivas a Cristo e à dinastia política local, seguiu em adoração pelas ruas da cidade de Marília/SP. Cerca de 300-400 jovens exultantes, estupidificados pela ignorância, pela falta de entendimento sobre o mundo dos adultos livres, caminhavam sem saber pra onde; mas, certamente, alimentando a regressão cultural que assalta a humanidade, inclusive a brasileira.

A ontologia política nos incita a buscar as origens desse fanatismo/fatalismo nos pressupostos do nazi-fascismo. O obscurantismo, que se segue, ocorre como negação da realidade, da ciência, da razão simples que deve inocular o bom senso. Intérprete do obscuro Mito Ariano, Hitler, por exemplo, negava a comprovação científica (antropológica) de que o homo sapiens havia se ligado geneticamente aos neandertais. Fósseis comprovam o acasalamento entre as espécies.

Outrossim, sua alegação de pureza e de superioridade de raça obtinha ecos em consciências vazias porque se dirigia diretamente, em discursos massacrantes, aos brutos cerimoniais: “viemos diretamente dos antigos gregos”. Filho de Aquiles, Hitler dominou a Academia de Ciências e de Direito: “o amor ao Führer é um conceito legal”, de modo que a indiferença ao Führer é um crime contra o Estado Maior. Marx, Tolstoi, Einstein não tinham crânios corretos. Certamente Goethe também não, mas Goebbels sim, já personificando Mefistófeles.

Os brutos cerimoniais – de todo o sempre – são analfabetos obscuros que se tornaram presunçosos. Suas almas simples foram metamorfoseadas para seguir cegamente ordens e ações animalescas. Seguindo o rito, com saraivada de padrões, nas cerimônias de poder sentem-se um pouco heróis. Não apenas cúmplices do poder, agora são membros ativos do princípio da identidade.

Identificados à nação, com os mais altos cumprimentos legais, legitimam sua barbárie cheia de atrocidades e sem peso na consciência – porque não há mais consciência. A ordem moral manda matar os adoradores do pecado seminal: a não-pureza, a miscigenação, é que se convertera em crime. O arianismo é, portanto, racismo e todo racista é um pouco/muito nazista. Daí negar-se a fusão sexual/sentimental entre neandertais e sapiens ou, atualmente, entre brancos e negros.

Aprendemos um pouco disso com o cineasta Mijaíl Romm, discípulo do grande Eisenstein, no filme O Fascismo Ordinário, e que pode ser acessado neste endereço eletrônico: http://mais.uol.com.br/view/h271v1ay8nim/trecho-de-fascismo-ordinario-de-mikhail-romm–legendas-em-portugues-04020E1C3566CC815326?types=A.

Do passado ao presente, a psicologia/psiquiatria de massas do fascismo revela a fábrica incessante de sujeitos amorfos, brutos cerimoniais, que não passam de máquinas ávidas de lucro e sedentas de morte ou de poder.

Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília