Marília

Nunca é tarde demais para um primeiro novo encontro

Nunca é tarde demais para um primeiro novo encontro

Ela chegou em sua casa às 23hs15 e milimetricamente observou em cada cômodo se seu marido estava por ali empoleirado. As noites anteriores haviam sido tensas demais para uma mulher de meia-idade, mãe de uma filha de oito anos, gerente de uma loja de calçados femininos e estudante de direito. Noites que foram o estopim, o tiro certeiro no coração e no pé, o fim de um casamento de dez anos e três meses. Não haveria mais retorno, disso ela sabia, após tantas idas e vindas, desgastadas ao nível de um esgotamento que só quem passou por isso sabe bem o que é. Decisão tomada: hora de recolher os pertences.

Ele entra pela porta dos fundos, sem rédeas, sem limites. Grita com o cachorro enquanto conversa impacientemente no telefone celular. Procura comida na geladeira, no freezer, uma cerveja. Não havia notado o carro da mulher estacionado do outro lado da rua. Não havia horário em sua agenda para recebê-la. Sem explicações, conversas destoam em berros. Ela, de saída, duas malas e o travesseiro sob o braço esquerdo; ele, tenso, fragilizado, como nunca. Nenhum vestígio de final feliz, mas somente feridas expostas reveladas pela troca brusca de olhares, corpos que uma vez já se amaram, jurando um para o outro que estariam unidos para sempre. Foram noites de colo, agora encetados no baú das memórias. O que eles não sabiam, no entanto, é que o verdadeiro amor insiste em permanecer em situações inapropriadas, a contragosto das crises, dos medos, das mentiras.

Na mesa da cozinha, entre boletos bancários, jornal do dia, revista de automóveis e carta de divórcio, havia um envelope desconhecido, daqueles feitos à mão, retocados com lápis coloridos, letras delicadas e esparramadas, tal qual o coração de quem o havia deixado ali. Fotos impressas. Praia de Santos, verão de 2008. Família reunida. A praia estava linda, mar calmo, pessoas em paz, foram dias inesquecíveis. Claro que já haviam as briguinhas, as diferenças, e sabe se lá. Melhor então cada um na sua já que nunca entraram em um acordo certeiro. É preferível a liberdade do que a amargura, o ser feliz do que o sentir-se preso – diriam os analistas, os especialistas, os comentaristas da TV, os atores e atrizes das novelas, uma amiga amargurada, os amigos que se dizem experientes, certos poetas de plantão, muitos cantores de sucesso, a dona da  lotérica, o síndico, um cínico, a pesquisa do IBOPE. Mas, “nunca é tarde demais para um primeiro novo encontro”, palavras rasuradas por Bruna, 7 anos, no verso de cada uma das fotos.

O amor não se ressente do mal: um pedido sincero de perdão, lágrimas incontroláveis escorrendo pela pele grossa de seu rosto, e o fato não registrado na história desse mundo de que ele não havia sido tão homem assim em seus 39 anos de vida. O amor não arde em ciúmes: sem arrependimento, contra os conselhos e as expectativas, ela decidiu-se por ele, e não deixou de ser Silva, nem Sílvia, nem a mulher mais amada da cidade. O amor não procura os seus interesses: esteja certo de que abraços demorados nunca são tão bons como em dias assim. O amor tudo sofre, e sofrerá novamente se for preciso. O amor suporta as dores das feridas que carecem ser tratadas a fundo. O amor tudo crê. Bruna não acreditava no que via e ouvia ao chegar naquela casa às escondidas e, à revelia, rompeu corredores e rendeu-se à certeza de que Deus nunca havia abandonado sua família e nem os seus próprios sonhos e desejos.

Quando publico textos sobre esperança, amor e vida, recebo inúmeras críticas, tais como: “a vida não é assim”, “falar é fácil demais”, “minha situação não tem jeito”, “ah, você é novo e não viveu o que vivi” e etc. Mas, caro leitor e leitora, não escrevo aqui fantasias, e sim realidades. Prefiro me pautar nas histórias mais lindas do que as mais findas. Esse pequeno texto foi inspirado em histórias de inúmeros casais reais. Conheço seus nomes, onde moram, como vivem. Perguntei recentemente pra uma senhora que fazia 50 anos de casada: qual o segredo pra durar tanto? Ela respondeu, com calma: é não desistir quando mais se quer desistir. Pois, o amor aparece nas insistências. Aprendi: só é feliz quem aprendeu a amar.