O Homem moderno não reconhece mais o espaço público tradicional, como Ágora : a própria Internet, apelidada de nova praça pública, é cada vez mais regulada, controlada. Nesse quadro, o zoon politikón – o homem que em sua natureza é político – sofre achaques e ataques contra a sua humanidade e que é determinada pelo “fazer política”. 

O homem só é um animal social porque é capaz de fazer política. Ao se empenhar no debate político, essencialmente público, o “ser-político” opina e age em consonância sobre a formação social que considera adequada a sua vida. Negar a política a alguém equivale a negar-lhe a capacidade de humanidade.

Excluídos do Político, além desses indivíduos serem homo sacer (Agamben, 2004) – como um “não-ser”, um sujeito sem importância –, para a exceção que controla o Poder Político, nesta fase de judicialismo ou justiciamento a qualquer custo estamos todos condenados como aneu logou. 

“Quando os gregos diziam que escravos e bárbaros eram aneu logou, não dominavam a palavra, queriam dizer que eles se encontravam numa situação na qual era impossível a conversa livre” (Arendt, 1998, p. 49).

E quem não dominava a palavra era exatamente aquele sujeito excluído da relação política. Quem está, por alguma razão, excluído da política está, obviamente, impossibilitado de se referir livremente ao poder; especialmente incapacitado de opinar e de se empenhar sobre a condução do poder. 

Assim, quem não se manifesta sobre o poder é utilizado por ele, manipulado por quem detém as principais instituições de poder. Logo, com a negativa de participar politicamente da vida pública, o sujeito amorfo – sem identidade com o espaço público – perde a instância do direito. 

Sem que o âmbito do direito lhe seja consagrado, o indivíduo é um nada, uma vítima inerte do Poder Político. Em resumo, sem acessar o Político – como condição humana – o “não-ser” está fora do poder, mas sujeitado pelo poder e nessa situação não tem direito a nada. 

Portanto, o impedimento da manifestação do Político nos transforma em indivíduos que não somos por natureza: “não-ser”. Ou seja, negar o direito ao Político é negar o que há de mais essencial, sublime; equivale a negar a humanidade que há em cada ser humano. 

A vita activa, a vida cheia de significados públicos e privados, ao contrário, é formada de trabalho, labor e política .

Sob esta condicionante de Estado de Exceção, o Judiciário age em meio a prisões preventivas ou pratica condenações sumárias? Qual a simetria entre a caça aos terroristas e a decisão judicial que proíbe a “Sininho” (Black Bloc) e a professora Camila Rodrigues (UFRJ) de exercerem qualquer atividade política? 

Restrição de direitos, como o impedimento de sair da comarca, em prisão domiciliar, é uma coisa; porém, que se saiba, somente regimes ditatoriais em plena condição de exceção são capazes de proibir o acesso e a manifestação do Político.

Sininho, Camila Rodrigues e tantos outros – submetidos à mesma pena de banimento do Político – perdem sua condição humana e, uma vez que não são mais sujeitos de direito, reduzem-se como “não-ser”, aneu logou. 

É evidente que a Lei Antiterror, recém aprovada, vai expandir a concomitância entre “ativismo político” e terrorismo. Sem contar o fato de que os “terroristas” e os “ativistas” estão presos porque há fortes indícios. Só o Estado de Exceção subtrai o Político baseado na suposição da culpa. “Sem provas”, a exceção suspende o Político para atender ao interesse em vigor . 

Neste sentido, tanto o ativista quanto o terrorista são reduzidos à condição do aneu logou, do “não-ser”, à condição de “não-ser humano”. E toda lei que reze esta pena ou assim seja interpretada é uma lei de exceção, bem como seu intérprete comete um crime contra a humanidade do sujeito atacado legalmente (e injustamente).

Bibliografia
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo : Boitempo, 2004.
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991.
______ O que é política. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1998. 
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 2003.