O título se refere a “Fausto” personagem lendário alemão – que inspirou Goethe a escrever seu drama – que teria feito um pacto com o Diabo (Mefistófeles) em troca de sucesso, juventude e paixão.
Quem já assistiu pelo menos uma vez o clássico de 1950 “All about Eve” (‘A Malvada’, no título brasileiro) dirigido por Joseph L. Mankiewicz (1909-1993) pode lembrar e para quem vai ver vale a pena prestar atenção especial ao diálogo final de Addison DeWitt (George Sanders – 1906-1972* com Eve, (Anne Baxter – 1923-1985 ).
Clássicamente sociopata, uma predadora e alpinista social, Eve é uma jovem atriz no auge da fama que faz um pacto com o mefistofélico Addison mas não percebe, porque desta vez não há uma assinatura formal de sangue como no clássico de Goethe (1749-1832). Notemos as palavras, em uma razoável tradução, neste resumo que preparei de um dos diálogos mais terríveis do cinema:
“O que pensa que sou, Eve? Eu sou Addison DeWitt. Ninguém me faz de tolo, muito menos você. Depois da sua apresentação de hoje à noite você pertencerá a mim. […] Lembre-se para o resto da vida que não deve rir de mim. Ria, caçoe, do que quiser, mas não de mim”. Eve caminha para a porta de seu apartamento, onde ocorre a ação, abre e diz: “Saia daqui Addison”. Ele retruca, fechando a porta: “Não pode me mandar embora, Eve. Não é alta o bastante para esse gesto. Além do mais ele saiu de moda há muito tempo”. Addison continua: ‘Você é uma pessoa improvável, Eve, assim como eu. Temos isso em comum. Também temos em comum um desprezo total pela Humanidade, somos incapazes de amar e ser amados, inquestionavelmente talentosos e insaciavelmente ambiciosos. Merecemos um ao outro. Está me ouvindo, Eve?, Então continue ouvindo o que só eu e você sabemos, e assim continuará a ser”.
Addison então, após contar que descobrira os segredos e mentiras que ela sempre escondera tão bem, e que ele guardara para o ataque final à sua presa, diz: “Percebe e concorda quão completamente me pertence? Agora prepare-se, arrume-se para subir ao palco!” Eve atira-se na cama, chorando e lamenta-se: “Não posso representar meu papel hoje à noite, não posso…”. Addison exclama: “Não pode, Eve? Será a atuação da sua vida!”. “E foi a maior atuação de Eve Harrington”, conta-nos em flashback Addison DeWitt.
Em resumo, algumas características de um sociopata: incapacidade de empatia com a Humanidade, nem propriamente simpatia, nem antipatia, mas simpatia e antipatia utilitaristas, quando lhes servem aos interesses, isso significa incapacidade de remorso, compaixão e sentimento moral, que são a base, na Psicologia Antroposófica, da solidariedade humana (solidus, pedra fundamental das construções antigas).
Isso é fruto de uma personalidade narcísica, isto é, egocêntrica, para a qual o mundo deve sempre algo a ela (o sociopata vai tentar conseguir), incapacidade para criar vínculos (a confiança básica no mundo, que deveria ser desenvolvida até os 7 anos, não ocorreu), e desinteresse em amar e ser amado, no sofrimento do próximo e amoralidade.
Ele pode ameaçar de morte, mandar matar e matar pessoalmente, sempre de uma maneira racionalmente fria, que, às vezes é confundida com ‘inteligência’. Não é, é sagacidade sub-reptícia, que, por não ter moralidade, nem bondade é lesa-humana.
Aponto aqui os alpinistas sociais – uma versão mais leve (com ênfase mais no oportunismo e amoralidade) – e predadores sociais, como os corruptos em geral (eles procuram a área política, pelo dinheiro público envolvido) mas também estão presentes em outras profissões e/ou áreas de atuação humanas.
Há também os executores de crimes por ganância, aqueles em que sempre há lucro envolvido. Essa são as chamadas personalidades psicopáticas, por exemplo, os jagunços nordestinos e os killers contratados pelo crime organizado, no mundo todo, onde a ganância faz seu papel desagregador . Mas insisto em apontar como sociopatas os corruptos – e alguns corruptores – em geral, que não deveriam ter permisssão de se aproximar do dinheiro público, já que em sua total ausência de sentimento moral, não distinguem o privado do bem comum.
Em épocas eleitorais, principalmente, cabe ao eleitor pesquisar o passado e o presente dos candidatos. Suas biografias são excelentes projeções de como serão suas atuações no futuro. Todos fazemos pactos durante a vida. Esses pactos têm consequências, e se forem na vida pública – deixam de atingir apenas a pessoa envolvida – seus efeitos serão tão maléficos para a toda a sociedade, que podem ser considerados um crime lesa-humanidade.
A grande obra humana, a compaixão, o espírito público, o real idealismo humanista sempre serão alvos da sedução do sucesso rápido e fácil, sempre haverá garras a tentar esgarçar o tecido das saudáveis relações humanas. Não nos iludamos, temos que nos proteger desses pactos. A maneira mais antiga e saudável socialmente é ter não cúmplices, mas um grupo de amigos-conselheiros que não nos permtirá que nos isolemos, evitando, assim, a onipotência dos solitários. Pois somos todos… personagens faustianas.