Imaginando-se o pior dos cenários políticos – tempestade perfeita – e que já se avizinha faz tempo, o que esperar? Imaginemos que o PT tenha a sigla cancelada, por ter recebido financiamento do exterior – o que é terminantemente proibido pela legislação – e que o PSDB veja seus caciques e principais candidatos a 2018 irem pelo ralo da Lava (a) Jato e da Zelotes, bem como o PMDB de Cunha, Renan e Temer, o que teremos politicamente falando na sucessão presidencial?

Este cenário não está desfeito, pelo contrário, a faxina judicial que muda a página de política para noticiário policial, nos grandes jornais, pinta esta cena de descampado cada vez mais claramente.

Podemos ter uma abertura para outros oportunistas meio reclusos até este momento, como vimos com a ascensão meteórica de Collor ou uma guinada à esquerda, com o PSOL na cabeceira. Sim, podemos. Todavia, é bem mais provável que tenhamos o rumo da direita fascista.

Nem toda direita é fascista, pode ser apenas liberal-conservadora. Porém, a nossa direita se materializou como uma âncora de condottieri (guiada e afundada nos privilégios ameaçados). Se formos pelo modelo francês, teremos Luís Bonaparte – Napoleão III –, nos moldes de um Golpe de Estado seguido de Estado de Sítio e de cala-boca: “sabe que não deve falar sobre política, fascista”?

Por falar em turbulências e águas profundas, espessas, geladas e obscuras, a peça A Tempestade, de Willian Shakespeare, é uma nota ímpar que caiu do céu de brigadeiro. Porque nossa República entrou em colapso, com extrema fissura dos materiais institucionais e morais.

Na peça, cena I do Ato II, o dramaturgo inglês esboça sua República ideal bosquejada pela personagem de Gonzalo – conselheiro do rei –, após o naufrágio e já isolados numa ilha erma. GONZALO: “… na república faria tudo pelos seus contrários, pois não admitiria espécie alguma de comércio; de magistrados, nada, nem mesmo o nome … supriria de vez, ricos e pobres e os seus serviços; contratos, sucessões, questões de terra, demarcações … Nenhum uso, também, de óleo e de vinho, trigo e metal. Ocupação nenhuma … Faltaria, de igual modo, soberania … Espadas, espingardas, facas, chuços, traições e felonias, eu não admitiria … A natureza produziria tudo por si mesma … De tal modo governaria, que deitaria sombra à própria idade de ouro” (Editora Tecnoprint, s/d, p. 59).

A história de Shakespeare é uma utopia inspirada em Montaige, uma trilha anti-industrial e pautada bem antes do industrialismo. Pois bem, de ideal, em nosso caso, não temos nada. Nosso ideal é desleal. O que podemos reproduzir com certa exatidão são os diálogos encharcados de impropérios, asco e de absoluta ausência de senso moral que se seguem à fala de Gonzalo.

Por outro lado, pensando bem, talvez tenhamos um ideal sim, mas é no sentido perverso da questão – como em tempestade perfeita. Pois temos uma corrupção ideal: aqui é o país da corrupção, porque “o lado podre da república” (a Dinamarca de Hamlet) está perfeitamente imerso na cultura popular e política. No fim, ficaríamos mesmo é com a resposta de Antônio a Gonzalo: “Da república o fim esquece o início”.