Diferentemente da França, não precisamos de Estado de Emergência, uma vez que os três poderes alternam-se na contenção do direito. Como há um rodízio, os três poderes acabam respeitando-se em certos limites do “que fazer”. Cada um, em sua seara, emprega suas forças e expertises na negativa de direitos civis, políticos e sociais. Por isso, sempre há um modo de ultrapassar as barreiras das cláusulas pétreas.
Para o homem médio, em sua vida comum, é clara a noção de realidade de que vivemos a violação diária do direito, nas ruas, no trabalho, nas casas. Para o cidadão comum vigora apenas o Estado de Direito que chega com o giroflex – e quando chega. Até hoje seu documento de identidade e de bons antecedentes é a carteira de trabalho.
Em um exemplo concreto, por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o próprio direito passará a ser negado; pois, os condenados em segunda instância serão presos, sem necessidade do trânsito em julgado – conforme previa o inciso LVII do art. 5º da CF/88 e de acordo com a jurisprudência do mesmo STF, desde 2009.
Casos graves sempre foram tratados com excepcionalidade pela jurisprudência, ou seja, aguardavam presos até o fim dos processos. Agora se inverteu a regra, ou melhor, a exceção (aguardar preso) se tornou regra.
Desse modo, o cidadão comum poderá ser preso enquanto recorre da condenação. Na prática, as garantias de sua liberdade foram subtraídas e, assim, o direito que previa sua inocência até que se provasse o contrário já não existe mais.
O que não se diz a este cidadão mediano, submetido às leis e interpretações cada vez mais restritivas do direito, é que hoje se liquidou com o <direito do preso>; mas, amanhã serão os direitos civis e políticos. Sem considerar que 250 mil pessoas já estão presas sem sulgamento. Sobre isso, o STF não se pronunciou.
Na perversa lógica da exceção, corruptos contumazes – via de regra – só eram punidos depois dos julgamentos de segunda instância. Porque, é óbvio, sempre tiveram meios para recorrer. No “novo” modelo do STF, o preso pobre será trancafiado na segunda instância e o preso rico provavelmente só conhecerá a masmorra (e nos milagres que ocorrerem) em última instância.
Pode-se dizer que o modelo de 2009 beneficiava os ricos – que podiam pagar para recorrer –, porém, o mais novo prejudica a todos. Para esses, contumazes, sempre haverá uma brecha, uma chicana ou uma “nova” interpretação benevolente dos seus direitos. Quebrar bancos, sonegar e evadir receitas, ou abrir Ofhsores, nunca foram considerados como crime graves.
Para vermos que esta decisão não é um caso isolado, o STF também autorizou a devassa financeira do cidadão sem expressa autorização judicial: o que representa “quebra de sigilo bancário” sem a necessária atuação de magistrados. Com esta decisão, basta o poder da Receita e outras autoridades fiscais para obter dados bancários de contribuintes sem autorização judicial . O poder autorizou o poder a promover devassas na vida privada de todos nós.
Para o poder nu, importa que “vim, vi, venci”. E assim voltamos à Roma antiga, com ministros votando com polegar para cima ou para baixo, de acordo com a vontade da turba. Por isso somos um país coordenado por exceções que se tornam regras.
No país do Jeca Tatu, do Macunaíma e do João Grilo, o Estado de Emergência – além de se animar com a rotineira cultura popular fascista – conta com amplo apoio do Poder Judiciário. O Supremo negou a Constituição que jurou defender.