– Bom dia, vim fazer uma doação em nome de Eduardo Pires
– Não temos Eduardo Pires no cadastro
– Não tem? Outras pessoas já vieram doar. Como não tem?
– Um momento….. Temos José Eduardo dos Santos Pires, é esse?
Era ele.
Doei sangue, fui ver o Eduardo pouco depois no Hospital da Beneficência Portuguesa e ele, em recuperação, voz rouca, uma fragilidade incomum, inédita para a gente, nos recebeu com uma piada.
E se a funcionária do atendimento do banco de sangue tivesse procurado imóveis, visitado restaurantes, bares, piscinas, parques, ruas da zona oeste de São Paulo nos 30 anos anteriores àquela manhã de setembro de 2009 teria uma grande chance de ter encontrado, conhecido e sorrido com o Eduardo.
Poderia encontra-lo no cadastro sem o nome completo, por Edu, Du, Dudu, cabeção, big, grandão, bigode. Em Santa Cruz do Rio Pardo, Bauru, Marília, poderia ser identificado como o Eduardo marido da Ana, genro do sr Botelho, cunhado do Adolfo.
Em tantos locais e tantas cidades iria encontrar amigos do Eduardo e histórias engraçadas para embalar anos de prosa, jantares, rodas de amigos, shows.
Entre 2008 e 2014 conhecemos, participamos, construímos e ouvimos relatos apaixonados de situações cômicas, momentos tensos, uma vida vivida com intensidade e personalidade. E nos últimos dois anos, a 450km de distância, mantivemos os contatos por telefone, e-mail e recentemente whatsapp, que ele ainda aprendia a usar.
Foi um amigo especial para mim. Uma figura paterna para a Alessandra, minha esposa, quando trocamos Marília por São Paulo.
Eduardo e Ana Maria, que a gente conheceu como Tesourinho ou Aninha antes mesmo de conhecer pessoalmente, “adotaram” a Alessandra em carinho, atenção, companhia e presença, enquanto ela, ainda meio contrariada pela mudança de cidade, conhecia São Paulo.
O envolvimento, respeito, atenção e portas abertas que deram a ela não são comuns, não se acha por aí, certamente não encontraremos mais. Algumas famílias não conseguem isso em casa. Alessandra tinha isso na família e encontrou com o Eduardo e a Ana.
O Lula foi 111 vezes ao sítio de um amigo? Acho que fomos mais vezes à casa do Eduardo em 2009, 2010, 2011…Muitos jantares, almoços, festas, jogos de futebol, reuniões de trabalho, rodas de amigos.
Eduardo Pires foi corretor, diretor, dono de imobiliária, dono de cantina, pizzaria, professor de educação física, atleta, dono de chácara e, sob inspiração e orientação da Ana Maria, arriscou até artes plásticas.
Foi pai orgulhoso do Luiz Eduardo, Ana Carolina e Fernando e ainda mais coruja com os netos, Duda, Jorge e Bernardo.
E foi colunista do Giro Marília, colaborando com colunas de gastronomia, que ele adorava para ler, fazer e experimentar.
Em 2009, quando estava internado na Beneficência Portuguesa, havia acabado de furar comigo. Deveria estar em um encontro para meu aniversário. Horas antes foi internado na UTI com quadro grave de hipertensão, falta de ar, inatividade dos rins.
Nos últimos sete anos encarou hemodiálise três vezes por semana, um controle rigoroso de alimentação (incluindo refrigerantes, drinks e coquetéis), comprimidos e perda gradativa de disposição física, sem perder o humor que deu a ele tantos amigos, e a personalidade, que nunca o permitiu fugir de um debate ou dizer o que pensava.
E se ele furou em 2009 não pipocou no ano passado, apesar dos 450 km, para estar com a gente no meu aniversário.
Conhecer o Eduardo e a Ana foi fundamental para Alessandra gostar de São Paulo. Foi fundamental para a vida ser mais alegre, mesmo em momentos difíceis que atravessamos.
O mundo foi melhor – ou menos ruim, de acordo com o ponto de vista – por ter o Eduardo e a Ana conosco.
Eduardo partiu nesta terça-feira, certamente merecedor de descanso e definitivamente contrariado por não poder ficar e cuidar da Aninha, com quem construiu um casamento daqueles de novela por quase 40 anos e uma família linda.
Perdemos um amigo que virou parente. Incalculável o que Aninha e a família perderam.
Aninha segue, seguimos com ela. Amamos a Aninha e o mundo ainda é melhor por ela seguir aqui, por tudo que eles juntos nos deram. É melhor por termos as histórias do Eduardo, a vivência, os momentos únicos e as chances de ainda construir histórias novas.
Mas não é – e nunca foi – um lugar justo. Fosse assim, o Eduardo estaria preparando o cardápio de Páscoa, teria aniversário da Carol, a gente iria jantar juntos, ele iria tirar sarro em nossas roupas e pedir para ajudar com alguma coisa da cozinha.
Talvez derrubasse vinho na toalha, colocaria discos de vinil antigos e até arriscaria cantarolar. A Alê diria “tchau cabeção” na saída e a gente chegaria na calçada ainda rindo, esperando o próximo encontro.