O imbróglio político-jurídico em que nos metemos é tão difuso e gigantesco que cabem algumas observações técnicas. Em geral, as constituições não são monolitos de pedra e podem ser atualizadas/refinadas de acordo com as necessidades sociais.

Com a Constituição Federal de 1988 é um pouco diferente, mas ainda assim pode ser interpretada (onde caiba) e modificada: com exceção das cláusulas pétreas e que, em suma, são a forma do Estado e os direitos fundamentais.

Como uma espécie de salvaguarda – seguindo-se as demais constituições modernas – o legislador-constituinte fez constar alguns mecanismos de legítima defesa estatal (soberania) e da ordem pública. A previsão de penas severas para crimes bárbaros é um exemplo: crimes hediondos.

Quanto à segurança social, institucional e pública – num sentido mais amplo –, a CF/88 conta com aportes superiores, verdadeiras garantias de poder soberano: o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Ambos significam dotações grandiosas de força física.

Imaginemos que o país atravessasse uma catástrofe de grandes proporções – muito maior do que a Vale em Mariana/MG – ou uma comoção social provocada por uma escalada do crime jamais pensada em filmes de ficção; ou, ainda, uma ameaça de invasão e de guerra externa.

Nesses casos, a força física de repressão aguda seria invocada pela Presidência da República – com anuência do Congresso Nacional –, para debelar as crises inomináveis. Trata-se, portanto, de possibilidades/casos reais.

Como esses artifícios legais são extemporâneos, fugindo à normalidade das ações regulares – tanto dos indivíduos, quanto do Poder Público –, receberam o codinome de meios de exceção. A regra, ao menos para nós, é viver sem guerra; a exceção é o disparate de uma violência superveniente que obrigue o emprego de forças irregulares.

Vimos que os institutos estão previstos na Constituição e, portanto, qualquer mudança na ordem regular dos fatos seguiria ritos específicos. Ou seja, mesmo com a decretação de um Estado de Exceção, a mudança se daria “por dentro” das regras. Exatamente porque estão previstas.

Outro caso, bem diverso, é a adoção de interpretações e aplicações de leis regulares ou dispositivos constitucionais contra o Princípio da Razoabilidade. O que é razoável? É aquilo que se pavimentou como mediano, como um equilíbrio ficcional do direito e que pacifica a vida comum do homem médio.

Porém, o Princípio da Razoabilidade também deve manter as ações de autoridades judiciais sob a mesma métrica. Definida por lei como prerrogativa da advocacia, o princípio garante que não se quebre o sigilo das conversações entre advogado e cliente. A não ser, é óbvio, que o sujeito advogue para o crime e não para a pessoa. Há inúmeros casos assim no próprio Conselho de Ética da OAB.

Por falta de uma previsão explícita, a jurisprudência pacificou que a prisão preventiva deveria ser, no máximo, de três meses. Uma praxe semelhante, construída em mais de 30 anos, assegurava que a condução coercitiva para depoimento só ocorreria na recusa ao comparecimento à autoridade coatora.

Pois bem, só vimos esta quebra de regularidade inerente ao direito, na irrupção do Estado Policial: proto-nazista. E nesses casos, além de se instituir um Estado de Exceção, aparta-se o direito de qualquer princípio jurídico relevante. Com o que se deslinda uma modificação da ordem jurídica e da organização política, opondo-se uma ruptura “por fora”. O poder aí instaurado caminha absolutamente indiferente, “fora” do direito que se margeia pelo Princípio Democrático.

Por fim, pode-se frisar que, juridicamente, há dois tipos angulares de Estado de Exceção: o primeiro é suportado pelo Estado de Direito, tem regras definidas em períodos de regularidade democrática e se volta à “definição clara dos meios” empregados; o segundo, “inclinado aos fins”, ignora os meios – as previsões constitucionais – e é próprio de regimes autocráticos ou de mentalidade retrógrada.