Inicialmente é necessário elogiar e incentivar a realização do Congresso Latino-Americano da Paz, que acontecerá em Marília, São Paulo, de 19 a 22 de maio de 2016, no Centro Universitário “Eurípides Soares da Rocha” (UNIVEM). Trata-se de um ótimo momento para se debater as causas e as possibilidades de saída para a atual crise do paradigma da paz.
Em linhas gerais, o atual paradigma da paz foi gestado pelo Iluminismo, no século XVIII, especialmente pelas ideias do filósofo alemão Immanuel Kant. Em Kant a paz é o conjunto formado pelo uso e predomínio da razão, pela constituição da esfera individual – a construção do indivíduo moderno –, pelo estabelecimento do espaço público para o debate e resolução dos conflitos sociais, pelo governo civil, sem a participação da religião nas decisões políticas, pelo controle e uma política de pacificação das fronteiras e pelo estabelecimento do monopólio do uso da violência pelo Estado, esse monopólio deve ser assegurado pelas forças policiais e militares.
Ficaram de fora do projeto de paz proposto por Kant a religião e a vida mística, a arte, a vida subjetiva e os grupos que não se enquadram na categoria de racional, como, por exemplo, os loucos, pessoas excêntricas, boêmios, alcoólatras, místicos, artistas e muitos outros.
Desde o século XVIII essa proposta, por diversos caminhos, vem sendo implementada. A criação de espaços de debates políticos e diplomáticos é um exemplo da tentativa de colocar em prática o projeto de paz da modernidade. Entre esses espaços citam-se: a Liga das Nações, a ONU, organizações de países africanos e asiáticos.
O problema é que esse projeto de paz tem sucessivamente fracassado. Hannah Arendt, por meio do conceito de banalidade do mal, demonstrou que o uso excessivo da ração, sem a dimensão da ética, foi uma das causas do horror das duas grandes guerras mundiais e do holocausto. Já autores, como, Michel Foucault e Félix Guattari, demonstraram que a exclusão dos grupos não racionais do paradigma da paz (loucos, místicos, etc.) é uma das causas das sucessivas crises sociais vividas pelo mundo moderno.
O fato concreto é que atualmente o paradigma moderno da paz está em crise. A razão não é mais vista como um guia certo e confiável para o ser humano, existe uma negação do espaço publico em detrimento de um maior isolamento do sujeito dentro da vida individual, os grupos religiosos cada vez mais reivindicam espaço na vida política, algo negado pela proposta formulada por Kant, existe um renascimento das nacionalidades, da luta étnica, da luta pela busca pela constituição de novas países, o conceito de cidadania cada vez mais perde seu sentido e existe uma crescente perde de respeito pela noção de pessoa, de respeito pela vida humana. Tudo isso tem como consequência o aumento, em nível nacional e internacional, dos índices de violência.
O aumento da violência é a primeira coisa que o cidadão comum, mergulhado no cotidiano, sente. Para ele a paz está em crise porque a violência aumenta a cada dia. No entanto, numa perspectiva filosófica, a problemática é invertida, ou seja, o crescente aumento da violência é a consequência do lendo e gradual fracasso do paradigma da paz da modernidade.
Por isso, é necessário se repensar a paz. Como no século XXI, dentro da modernidade tardia, será possível se refundar uma proposta, um paradigma, que possa dar condições mínimas para as nações, os grupos sociais e os indivíduos viverem em um estado de paz? Essa é uma pergunta central para a sociedade contemporânea.
Ivanaldo Santos
Professor do Departamento de Filosofia da UERN
Palestrista no Congresso da Paz
http://pitagoras2.univem.edu.br/gwsites/default2.asp?codigo=96&item=834
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