Nacional

Atenção na esquerda - o golpe é mais profundo e sofisticado

Ainda ouvimos e lemos de analistas/militantes de movimentos sociais que, com as elites criando meios para tirar Temer do poder – pelo fato de não ter implantando as mudanças mega-liberais –, abrir-se-ia espaço para a busca de hegemonia, vale dizer, entronizar-se-ia um Mussolini qualquer: Moro, Bolsonaro e quetais.

O fato chama a atenção para os erros comuns de análise de conjuntura quando nos prendemos às teorias e não ao realismo político – ou, como se dizia nos clássicos de Marx e de Antonio Gramsci, com a “teoria descolada da prática”.

Neste caso, basta-nos ver que nenhum dos heróis supra indicados têm condições de criar nódulos hegemônicos no poder. Pois, se elevados à posição de condottiere desceriam tão rapidamente quanto subiram, pelo simples fato de que o desgaste político sofrido com a adoção do ultra-neoliberalismo seria devastador.

O povo não aguenta mais miséria e, com expropriação ainda mais intensa, a revolta popular seria monumental e poderia desembocar (aí sim) em golpe efetivamente militar – a fim de conter os trabalhadores e os famélicos em guerra acesa.

Pois bem, se o objetivo fosse tomar o poder a todo custo – como fins que justificam os meios – esse tipo de golpe já teria sido perpetrado, como fora em 1964: 1) o golpe de 64 veio, inicialmente, como transitório e de curta duração (hoje, de certo modo, poder-se-ia dizer “até o fim da lava jato”); 2) se viesse, a intervenção militar seria consentida pela opinião pública. A saída político-institucional, no entanto, foi outra.

O golpe hodierno não foi clássico, como bem sabemos, porque está à disposição das elites – Grupos Hegemônicos de Poder – uma sofisticadíssima (e retórica) teia político-jurídica que, ao premiar o golpe de Estado, cuidou de não desfazer o novelo ideológico do Estado de Direito e do “bom funcionamento das instituições”.

Neste sentido, o condottiere atual é o sistema político-jurídico que embasa e legitima as próprias ações de tomada de poder, sem recorrer ao uso da força física. Manobra-se tão-somente nos entremeios do direito e de sua burocracia.

Com meios que representam os fins, o Poder Judiciário – mais especificamente o STF (Supremo Tribunal Federal) – consubstancia a hegemonia sistêmica (dentro e fora do sistema) necessária à orquestração de um poder explicitamente ilegítimo. Os exemplos são inúmeros, mas é suficiente recordar a seletividade de suas ações.

O condottiere, portanto, é uma instituição (STF) que elege/eleva uma legalidade de ocasião – ao sabor das calorias diárias da política – à condição de legitimidade. Como pouco se sabe diferenciar coisa com coisa, meios e fins são plasmados e, indiferentes, conjuga-se o verbo “tomar” como “o direito de pegar o poder vago”. Veja-se o caso de expressão própria de jurisconsulto: “não foi golpe, foi manobra”.

Não se sabe bem se o poder é reciclado, mas essa sucata de hermenêutica – além de transformar o condottiere em sistema – posta como legítima uma evidente ilegalidade. Se “tudo vale pelo conjunto da obra”, a Ditadura Constitucional pode ser requerida sem medos ou meios paliativos, pois o povo assim anseia.

A hegemonia é, então, requerida; pois, se o golpe ainda gera controvérsias, a Ditadura Constitucional, por sua vez, passa-nos uniforme e incólume. No mais das vezes, pela colônia fascista do poder, é presumida e desejada: como alguém que deseja um poder legítimo, mas que se contenta com a ditadura de um condottiere legalizado.

Por fim, apenas confirmando-se o disposto acima, o condottiere e sua hegemonia foram construídos antes do Golpe de Estado, em poder já constituído (STF) e num inusitado formato de Estado de Direito: a Ditadura Constitucional. 

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

Cláudio Reis (Dr.)
Professor de Ciência Política da FCH – Universidade Federal da Grande Dourados