Educação

Unesp resgata homenagem a Sérgio Domingues, falecido na segunda

Unesp resgata homenagem a Sérgio Domingues, falecido na segunda

A página oficial da Unesp resgatou e divulgou para todo o Estado uma homenagem ao professor Sérgio Augusto Domingos, do campus de Marília, falecido na segunda-feira. Conhecido como Sérgio Krahô, por sua forte ligação e convivência com índios desta comunidade, Sérgio Domingos era formado em filosofia, com pós-doutrador em ciências sociais e professor de antropologia.

Confira a mensagem divulgada pela Unesp.

“Esse texto, escrito em 2014, celebra a contribuição do Antropólogo Sergio Domingues, falecido em 27 de junho de 2016, ao Departamento de Sociologia e Antropologia da Unesp de Marília.’

Um homem entre dois mundos

Em todas as minhas interações com o Professor Sérgio Domingues, sempre me mantenho em atenção máxima, pois suas falas são invariavelmente iluminadoras, trazendo enfoques novos para as mais variadas questões, sejam elas conceituais, de ensino ou relativas à sociedade contemporânea. Incorporei a uma disciplina sobre a História do Pensamento Social Brasileiro uma sugestão sua, de colocar esse pensamento no contexto mais geral Latino Americano, mas além disso outras falas suas devem ter naturalmente se incorporado ao meu repertório.

Num evento em homenagem à aposentadoria do Professor Tullo Vigevani, o Professor Sérgio Domingues aproximou-se ao microfone e relatou-nos que entre os índios havia um ritual onde um membro do conselho diretivo da aldeia passava a ancião, deixando as atribuições práticas de lado e se constituindo em fonte de conselhos e orientações, entoando após essa explicação o canto que havia aprendido em suas vivências entre os índios. Naquele momento da cerimônia dei-me conta do significado do ritual do qual eu mesma estava participando, e dos laços profundos que temos todos nós que celebramos, de forma distinta, os mesmos rituais humanos.

A experiência do Professor Sérgio Domingues é vasta.

É um enorme prazer ouvi-lo falar da Revista Shalom, antigo reduto da esquerda intelectual judaica, onde trabalhou e conheceu jornalistas e personalidades com quem também tive o prazer de interagir, ou dos costumes indígenas dos quais ele se apropria de modo não condescendente, não cientificista. Por exemplo, o professor Sérgio Domingues relata que os índios apontam líderes para o tempo da chuva e para o tempo da seca, alternando-se portanto e forçando um equilíbrio entre líderes e liderados. Ele não conta isso como uma curiosidade, uma descoberta feita sobre um objeto de pesquisa, mas sim como uma lição útil para o mundo contemporâneo. Nesse sentido, coloca-se como verdadeiro cientista, no sentido de homem que quer apreender o mundo.

Numa de suas falas recentes em reunião de departamento, ele questionou o produtivismo universitário, relatando que sua escrita hoje se dirige aos jovens indígenas ativistas que se comunicam nas redes sociais, observando que é ali que se constitui hoje um verdadeiro lugar de trocas e lutas. A escrita é fundamental, sustentou nosso colega, também indagando onde a escrita se dá hoje. Ele nos oferece, nas reuniões de departamento, verdadeiras questões, verdadeiras perguntas que nos intrigam e nos fazem pensar, em reuniões que, como todos sabem, são em geral burocráticas.

Como membro do departamento de sociologia e antropologia, vejo no Professor Sérgio Domingues um asset raro e precioso, que deve ser valorizado, retido e melhor aproveitado. Eu lamentaria profundamente se não pudesse mais contar com o professor no meu convívio departamental; acredito verdadeiramente que a universidade deva ser um lugar de choque de idéias e de propostas, deste choque simbólico surgindo novas idéias e novas propostas para um mundo melhor.

Há professores do departamento que também têm vivências bastante distintas e generosidade para trazê-las ao conhecimento comum, entre os quais cito o Professor Sérgio Aguilar, coronel da reserva do Exército Brasileiro que atuou em missões de paz da ONU. Sinto-me privilegiada em poder ter como colegas homens como esses dois, que se embrenharam com coragem e sagacidade em situações tão pouco familiares para a maioria de nós, compartilhando conosco seu aprendizado e reflexão.

Difícil saber o que vem primeiro, mas noto uma relação entre o habitar mundos distintos (no caso do Professor Sérgio Aguilar as forças de segurança e a universidade, no caso do Professor Sérgio Domingues o mundo indígena e a universidade) e uma visão generosa, pragmática e profundamente ética que os dois professores têm com as pessoas. Não sei se foi desta visão que surgiu a capacidade de habitar mundos diversos ou se foi da experiência que veio o interesse genuíno sobre os homens. Isso seria assunto para investigação social. Mas é certo que alguma relação há e quem está entre homens assim está melhor.

Heloisa Pait, socióloga, é professora da Unesp de Marília”