Tanto Hitler estava convicto do seu Mal – que para ele era o bem – quanto estamos bastante convictos e esclarecidos de que vivemos uma feroz ditadura: imoral, ilegal, aviltante do mínimo de respeito ao direito e ao bom senso.

Neste sentido, a força de(a) lei do Golpe de Estado, de 2016, é ilegal (inconstitucional) e, ex tunc/ex nunc, para trás e para frente[1], sempre será ilegítima. No fascismo, o senso comum (força da lei) substitui o bom senso e a justiça (autoridade como poder legítimo), impondo-se como “força de lei” da exceção.

Na Ditadura Inconstitucional, o máximo do antidireito vem com a presunção de culpa baseada na livre convicção do senso comum: “todos são culpados até prova em contrário”. (Mas, como, se não precisa de comprovação?). Como há Mal que não se acabe, o fim do Estado Laico nao só é protagonizado institucionalmente como é alimentado pelo institium do Estado Penal (Wacquant, 2003).

A proposta persecutória admite que provas obtidas ilegalmente sejam validadas, em prol, é claro, do Bem Maior. Diz-se soberamente: “não temos como provar, mas temos convicçoes”[2]. Ou seja, na exceção, abre-se um fosso medieval entre provas e acusações[3]. Por isso, se ainda pode ser pior, a declaração vem soberbamente declarada por “autoridade” que deveria fiscalizar o bom andamento do direito. Sem o direito à presunção da inocência, evapora o Direito Ocidental.

O resultado, óbvio, é o antidireito produtor de injustiças incorrigíveis. Porque se perpetra uma aliança de antidireito entre Ministério Público, magistratura e mídia no Terrorismo de Estado. De acordo com os dizeres do ex-vice-procurador geral e ex-Ministro da Justiça, Eugênio Aragão, a Rodrigo Janot (Procurador Geral da República):

Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido franco e assumido, com risco pessoal de rejeição interna e externa, posições públicas claras contra métodos de extração de informação utilizados, contra vazamentos ilegais de informações e gravações, principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida do governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual pelo juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e contra o populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da constituição, propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as transformaram, sem qualquer necessidade de forma, em “iniciativa popular” (grifo nosso)[4]. 

Como analisa Agamben (2004), e se aplica sobejamente em nosso caso, suspende-se o direito por meio de um instituto jurídico (iustitium = solstitium). Como o sol que some no solstício, na exceção desparece o direito. De acordo com Capella, além disso, a processualística não pode ser substituída pela legitimação mítica do poder:

Tais expectativas, pelas que lutaram gerações de pessoas, aparecem ante as consciências de todos como aureoladas juridicamente, como hegemônicas. Justificar sua violação ou sua restrição exigirá, pois, um esforço (discursivo) especial por parte de quem atente contra elas: tal é, em realidade, sua magra couraça, mas, que ao mesmo tempo, facilita que os indivíduos insistam na legitimidade e na justiça de suas pretensões quando estas aparecem como o conteúdo de um direito de cidadania. Em realidade, para denegar essas pretensões legítimas, o poder há de recorrer, de um modo ou de outro, à doutrina do “estado de exceção”: uma doutrina que, levada ao limite, exige a legitimação mítica (Capella, 1998, p. 143 – grifo nosso).

 

Para esses casos, é urgente que se retome o ensino de Educação após Auschwitz[5]. Talvez ainda coubesse o Adorno (2001) do “nojo” pela idiotia: vulgaridade, ignorância, dotação única de egoísmo e desprovimento de qualquer sentido coletivo. Os idiotes do passado, sobreviveram como idiotas modernos.

Sem educação, não há emancipação, permanecendo-se tutelado, submetido, subjugado, inferiorizado (Adorno, 1995). Desse modo, sempre se trata de uma educação para o cidadão, como educação intencionada politicamente (Canivez, 1991). Portanto, não é normal ter medo do Estado, se este foi criado (na força da ideologia) com os regulamentos do direito. Se ao homem bom basta seu bom senso, por que temer o direito se o Estado é de direito e democrático? Se temem o direito os facínoras, nós temeremos a ditadura.

A consciência exige domínio de conhecimento, clareza conceitual, independência para pensar e para agir, avaliação crítica dos fatos, remoção dos preconceitos, maioridade moral e emocional. Quem tem a vida defensável moralmente, se age movido por suposições? Como haver isenção cognitiva se agimos e decidimos com base no pré-conceito, isto, sem provas de que o conceito é válido?

Este é o início para se ter consciência de quem se é. Enfim, consciência exige emancipação e liberdade. O homem é livre para pensar e para agir – conscientemente – quando está liberto das prisões da tragédia humana. Mas, se faltam condições mínimas para que a consciência se informe desde a infância e na adolescência, sobretudo na escola e na família, quem – além de uma elite cínica – está livre do subjugo do direito injusto?

Bibliografia
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1995.
_____ Minima Moralia. Lisboa-Portugal : Edições 70, 2001.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo : Boitempo, 2004.
CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? Campinas, São Paulo : Papirus, 1991.
CAPELLA, Juan Ramón. Os cidadãos servos. Porto Alegre-RS : Fabris Editor, 1998.

[5] “É possível falar da claustrofobia das pessoas no mundo administrado, um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez mais socializada, como uma rede densamente interconectada. Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída. Isto aumenta a raiva contra a civilização. Esta torna-se alvo de uma rebelião violenta e irracional […] A pressão do geral dominante sobre tudo que é particular, os homens individualmente e as instituições singulares, tem uma tendência a destroçar o particular e individual juntamente com seu potencial de resistência” (Adorno, 1995, p. 122).