A mais de 10 anos atrás cheguei a trabalhar em um dos presídios da nossa região por quase dois anos. Foram muitas as histórias que presenciei por lá e graças a Deus, sai antes do maior ataque que o PCC desferiu dentro e fora das penitenciárias do Estado até hoje. Me lembro bem dos comentários dos presos aos quais eu dava aula quando as coisas pareciam estar fora do normal: “Fique tranquilo professor, se a ‘cadeia’ virar nós vamos usar o Sr como escudo. Mas não vamos te machucar não. ”
Apesar de sempre trabalhar com tranquilidade o clima lá dentro sempre foi muito tenso e carregado. As aulas mais frequentadas eram as da disciplina de geografia e eram comuns as perguntas sobre coordenadas geográficas. No começo não entendia o porque. Depois, ficou claro porque a maioria dos meus alunos eram de SP capital e do litoral. O transporte até o presídio era feito em caminhões fechados e eles não sabiam sua localização sem um mapa. É claro que aprendendo a Rosa dos Ventos, em uma fuga a noite, ou mesmo de dia, encontrariam a direção para suas origens.
Assistia a minha aula um detendo que já tinha sido médico e estava na sala de aula apenas para poder sair de sua cela. Outro, um ladrão de carros importados na capital, me disse que roubando tais carros, conseguiu formar seus filhos e dar a cada um uma casa. Além disso, já tinha comprado uma casa na praia para usufruir quando saísse da prisão. Outro, um japonês, foi o único oriental que vi preso, era um grande falsário. Cheguei a entrar em duas celas convidado pelos alunos (uma guarda ficava na porta). Já na entrada, era possível sentir o clima pesado do lugar.
Em um final de semestre e necessitando dos alunos para a avaliação final e evitar o fechamento do curso (EJA) no dia da prova, faltou metade da turma. Ao comunicar o fato ao diretor de educação, o mesmo me disse. – Amanhã, você irá a cela do fulano, ele é o chefe da “cadeia” toda. Com um tremor fui e falei com ele. – Me perguntou quando seria a prova. – Disse-lhe que seria no dia seguinte. E ele me falou. – Fique tranquilo, deixe comigo. Tinha uns 100 alunos divididos em duas turmas. Na hora da prova, apareceram uns trezentos. Ele realmente mandava no presido.