Marília

" Sob tortura, somos todos agressivos", veja artigo contra liberação de rodeios

"  Sob tortura, somos todos agressivos", veja artigo contra liberação de rodeios

A Câmara de Marília pode votar nesta segunda-feira o projeto de lei que regulamenta a prática de rodeio e mais uma série de provas e exibições que envolvem animais. A medida, polêmica, opôs nos últimos dias protetores de animais e defensores das competições, especial da Examar, que no passado abrigou muitos eventos da modalidade.

O Giro Marília oferece espaço a protetores de animais e defensores dos rodeios. A ONG Adote Animais encaminhou texto da presidente, a advogada Fernanda Costa. Veja o artigo contra a prática. O presidente da Examar, o também advogado Maurício Maldonado Gonzaga, vou convidado a publicar artigo, que será divulgado caso ele encaminhe texto. Veja abaixo o artigo enviado pela ONG

Sob tortura, somos todos agressivos

Touros e bezerros não são bravos por natureza. São pacíficos como um cachorro ou outro animal que temos em nossas casas. Mas tente imaginar o sofrimento de um cachorrinho com a virilha comprimida, se debatendo para livrar-se do equipamento que o tortura. Tenta imaginar o SEU animal de estimação numa situação assim.

Não vemos touros pulando sem motivo nos pastos. Eles pulam nas arenas e o motivo é um só: torturas, as mais terríveis torturas físicas e psicológicas. Argumenta-se que são “apenas” animais, que o sofrimento é rápido porque as provas duram em média oito segundos e que a existência dos rodeios significa valorizar as tradições brasileiras.

Ainda que fosse assim, nada justifica a violência contra outro ser vivo, mesmo que por oito segundos. Não são “apenas” animais. Eles sentem, eles entendem o que está acontecendo, eles sofrem.

E nós sabemos que o sofrimento dos animais dura muito mais que oito segundos, pois os treinos são de seis ou mais horas diárias. Os rodeios são importados dos Estados Unidos e nada tem a ver com os valores dos nossos sertanejos.

Devemos lembrar que animais são tão sensíveis que nós, humanos, os utilizamos no tratamento de diversas doenças. Muitas pessoas com deficiência mental só conseguem se comunicar e se relacionar por meio de equoterapia,  cãoterapia e muitos outros métodos de interação entre humanos e animais.

Entre todas as mentiras contadas pelos defensores dos rodeios, a maior delas é a de que os animais sofrem pouco. “Testemunhei a morte instantânea de bezerros após a ruptura da medula espinhal. Cuidei de bezerros que ficaram paralíticos e cujas traquéias foram total ou parcialmente rompidas. Ser atirado violentamente ao chão tem causado a ruptura de diversos órgãos internos, resultando em uma morte lenta e agonizante”, afirma o médico veterinário E. J. Finocchio em relato publicado na revista The Animals Agenda.

Até o tão falado rodeio de Barretos já foi palco de atos de extrema violência, como em 2011, quando um bezerro foi morto na prova do laço. Não se trata de acidente. É algo que poderia ter sido evitado.

Diversão e atividade econômica

Como a grande maioria das cidades do Brasil, Marília tem poucas opções de diversão e entretenimento. O Brasil não é a França, onde o entretenimento está diretamente ligado ao desenvolvimento intelectual dos seus cidadãos. Mas o Brasil também não é a Roma antiga, em que a diversão era assistir a sangrentas lutas de gladiadores. Existem muitas outras opções de diversão e entretenimento que não implicam na tortura e maus-tratos a seres vivos.

É chavão, porém, verdadeiro afirmar que “violência gera violência”. Durante os rodeios em Barretos, a criminalidade explode (de dez furtos por mês passa a 600 somente nos dias de evento), os serviços à população ficam prejudicados, hospitais lotam, falta água, o policiamento não dá conta de todas as ocorrências, sem falar na grande quantidade de lixo e nos veículos com som assustadoramente alto.

Discutível, portanto, o argumento de que os rodeios promovem desenvolvimento econômico. A sociedade tem gastos enormes para sanear os problemas causados pelos rodeios. Os lucros são realmente grandes, mas ficam nas mãos de poucas pessoas. O comércio local perde receitas. Uma breve conversa com donos de bares e restaurantes de cidades onde há rodeios basta para entender que os estabelecimentos ficam às moscas nos dias do evento. A venda de produtos nas arenas é feita por empresas profissionais, que vão de cidade em cidade e levam os recursos embora. Para a cidade ficam os prejuízos.

“Não se pode aceitar a tortura de animais com base na supremacia do poder econômico, nos costumes desvirtuados ou no argumento de que sua prática se justifica em prol do divertimento público”, afirma o promotor de Justiça Laerte Fernando Levai. “Sob pena de se adotar a máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios.”

Esporte e tradição

Os primeiros bovinos criados no Brasil eram da raça caracu, animais pesados e com enormes guampas, sem possibilidade de serem usados em rodeio. “O rodeio não faz parte da nossa tradição. Foi importado dos Estados Unidos e não traz nenhum enriquecimento ou aprendizado cultural”, explica Rosângela Ribeiro, da Sociedade Mundial de Proteção Animal.

Até nos Estados Unidos essa prática não tem sido considerada cultural e várias cidades já a proibiram, como Fort Wayne (Indiana) e Pasadena (Califórnia).

Desenvolver falando que o sertanejo usa animais para o trabalho e não para diversão

Tortura

É grande a imaginação dos torturadores disfarçados de promotores de rodeio para criar dispositivos que provocam dor, irritação e mutilações nos animais. Um dos instrumentos mais usados é o sédem, uma cinta amarrada na virilha e apertada com força minutos antes do animal entrar na arena.

Também são utilizadas esporas e objetos pontiagudos sob a sela, substâncias abrasivas no corpo para que o animal fique irritado e salte, choques elétricos. Além da dor física, esses estímulos causam sofrimento mental aos animais. Eles têm capacidade para avaliar que aquilo é perigoso à sua integridade.

A professora Júlia Matera, presidente da comissão de ética da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, diz que “a utilização de sedém, peiteiras, choques elétricos ou mecânicos e esporas gera estímulos que produzem dor física nos animais, em intensidade correspondente à intensidade dos estímulos”.

A Dra. Irvênia Luiza de Santis Prada, professora titular emérita de anatomia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, diz que “o sedém é aplicado na região da virilha, bastante sensível já por ser de pele fina, mas principalmente por ser área de localização de órgãos genitais. No caso dos bovinos, o sedém passa sobre o pênis, e nos cavalos compromete a porção mais anterior do prepúcio”.

Em relação às provas de laço, o perito veterinário, Dr. José Lincoln Leite de Campos diz que “o bezerro de 40 dias de idade, quando fugindo da condição que foi imposta a ele, é laçado, sofre um tranco, podendo ocorrer danos no seu pescoço, causando lesões leves, graves ou gravíssimas, reversíveis ou irreversíveis, podendo até leva-los à morte”.

Sobre o rodeio de Jaguariúna, o perito, Roberto de Lacerda Russo relata que  “alguns cavalos e touros possuíam cicatrizes antigas e recentes, decorrentes do uso de equipamentos como sedéns e esporas. Havia cavalos com cicatrizes na região frontal da cabeça, ocasionadas por traumas ocorridos dentro dos bretes. Tais cicatrizes podiam ser vistas a olho nu e houve filmagem durante as provas em que se constatou que enquanto os animais aguardavam a saída para arena, eram tomados de muito estresse, pois se debatiam com muita freqüência”.

Proibição

Marília não está sozinha na rejeição à barbárie. Em São Paulo, principal estado onde acontecem esses eventos, a proibição total ocorreu em vários municípios e comarcas. Em alguns casos, decisões judiciais não impedem o rodeio, mas sim o uso de instrumentos, o que torna o espetáculo inviável. Seguem alguns exemplos de municípios que disseram não ao rodeio:

Proibição por lei:

– Araraquara (SP)
– Botucatu (SP)
– Campinas (SP)
– Diadema (SP)
– Fortaleza (CE)
– Guarulhos (SP)
– Itanhaém (SP)
– Itapetininga (SP)
– Jaú (SP)
– Juiz de Fora (MG)
– Mauá (SP)
– Mongaguá (SP)
– Nova Friburgo (RJ)
– Osasco (SP)
– Petrópolis (RJ)
– Pirajuí (SP)
– Rio de Janeiro (RJ)
– Santana do Parnaíba (SP)
– Santos (SP)
– São Bernardo do Campo (SP)
_ São Carlos (SP)
– São José dos Campos
– São Paulo (SP)
– São Vicente (SP)
– Sorocaba (SP)
– Taubaté (SP)
– Valinhos (SP)
– Varginha (MG)
– Volta Redonda (RJ)

Proibição por decisões judiciais:

– Ribeirão Preto
– Ribeirão Bonito
– Itu
– São Pedro
– Bauru
– Arealva
– Avaí
– Itupeva
– Cabreuva
– Américo Brasiliense
– Rincão
– Santa Lúcia
– Boa Esperança do Sul
– Cravinhos

Fernanda Costa, advogada e presidente da União Protetoia dos Animais de Marília ONG Adote ANimais