Marília

“Policiais Militares de São Paulo na Marcha da Insensatez”

“Policiais Militares de São Paulo na Marcha da Insensatez”

De acordo com os fatos amplamente divulgados em redes sociais, na última sexta-feira (11/08), dezenas de policiais militares invadiram uma audiência pública no campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-Baixada Santista) onde professores, alunos e técnicos discutiam o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo.

Os policiais traziam cartazes com palavras de ordem e gritavam contra os direitos humanos. Durante a audiência, docentes e estudantes que manifestavam discordância foram filmados pelos invasores e a pressão continuou na votação do plano. Alguns itens, os quais os policiais se opunham, foram suprimidos como a obrigação de formar agentes de segurança pública sob os princípios dos direitos humanos.

Como Coronel da Reserva e Cientista Político recebi esse lamentável fato com extrema preocupação, e sinto-me na obrigação de registrar publicamente a minha repulsa ao comportamento desses policiais militares que planejadamente e propositadamente desestabilizaram uma audiência pública, utilizando-se de mecanismos constrangedores e descabidos para o atual processo democrático que vivemos em nossa sociedade. Não me resta dúvida que o pensamento conservador e reacionário, refletido na conduta desses policiais, circula livremente nos porões dos quarteis incumbidos da política de segurança pública do Estado.

Se o insensato episódio da audiência pública envolvendo os integrantes da Polícia Militar de São Paulo em uma Universidade Pública, fosse noticiado pela imprensa na vigência do Ato Institucional nº5 era perfeitamente compreensivo, em razão da contextualização política repressora existente naquelas páginas da história do regime militar.

Por outro lado em pleno Estado Democrático de Direito, com a vigência da Constituição Cidadã, é inconcebível e abominável que policiais militares de uma secular instituição desrespeitem e comportem-se de forma repressiva e inibidora a um debate cuja temática (Direitos Humanos) é de inquestionável importância para uma sociedade que diariamente convive com uma crescente violência criminal e policial que ceifa de forma brutal a vida de inúmeros cidadãos.

Não bastasse esse inoportuno comportamento dos servidores públicos militares, causou-me imensa decepção ter conhecimento que esses agentes do Estado, com atribuições constitucionais nitidamente definidas, deixaram consignado nessa agitada algazarra suas deliberações representando contrariedade ao avanço dos princípios dos Direitos Humanos na corporação, aclamando e votando pela supressão da obrigação de formar agentes de segurança pública sob esses fundamentais princípios, dando clara evidência dos primeiros passos para institucionalizar no Estado uma reincidente política de segurança pública com um viés de extermínio socioeconômico de uma casta da população.

Para o Tenente – Coronel da Reserva Adilson Souza e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo, autor do livro “O Guardião da Cidade”, esses mesmos policiais que se pronunciam contra os Direitos Humanos, simbolizam um ato de hipocrisia, pois quando praticam delitos ou transgressões disciplinares exigem da administração pública um tratamento condizente aos princípios estabelecidos pela constituição, um julgamento imparcial e impessoal, baseado estritamente em provas obtidas legalmente, o exercício do contraditório e da ampla defesa e o acionamento imediato de um defensor, contudo, contraditoriamente, quando no exercício da atividade policial ao efetuar a prisão de um infrator da lei avoca as expressões de senso comum de que os Direitos Humanos é direito dos “manos”.

Os fatos que proporcionaram uma expressiva repercussão nos faz refletir que os ensinamentos dos princípios dos Direitos Humanos disponibilizados nas escolas de formação de praças e dos oficiais da Polícia Militar de São Paulo não estão obtendo um resultado condizente, ficando evidente que há um descompasso entre o processo educacional dessa temática e a realidade social e econômica da população, pois não se pode aceitar que um grupo de policiais militares dissemine, por meio desse ato irresponsável, um pensamento retrógrado nas fileiras da corporação, comprometendo o avanço gradual da sedimentação da ideologia do soldado-corporação para o soldado-cidadão.

Além disso, não se deve desconsiderar que esses acontecimentos envolvendo a Polícia Militar de São Paulo representa um prenúncio de um retrocesso histórico na retórica e na aplicabilidade dos princípios dos Direitos Humanos na atribuição constitucional do policiamento preventivo, cabendo ao poder público fiscalizar e contrapor-se a essa tentativa implícita de legitimar, com o silêncio da sociedade, as brutalidades e letalidades nas incontáveis ações policiais que ocorrem nas calmarias das madrugadas das periferias.

Sugar Ray Robson Gomes
Coronel da Reserva PM e Cientista Político