Existe um fantasma que assombra boa parte dos atletas de fisiculturismo. Ele é invisível, silencioso e faz um estrago devastador no corpo e na saúde emocional de quem o enfrenta, embora poucos tenham coragem de assumir sua existência.
A aparição ocorre depois de dietas restritas e provoca culpa, ressaca moral e sensação de impotência. Esse tormento, conhecido como compulsão alimentar, é um descontrole assustador diante da comida, semelhante à dependência química.
Ao devorar de uma só vez com voracidade pão, bolacha, leite condensado, pizza, salgadinho, chocolate e tudo mais ao alcance das mãos, em nada me parecia com a pessoa que dias antes descera do palco do Arnold Classic South America com um troféu na mão e dez quilos a menos.
A efêmera sensação de prazer das refeições me deixava dopada, com frequência cardíaca alterada e menor capacidade de raciocínio e de concentração. Era como se estivesse fora de mim, agindo no piloto automático de um aspirador de calorias desgovernado.
Mas logo a euforia cedia espaço para o arrependimento e para a tristeza. Jurei inúmeras vezes pôr um fim nas orgias alimentares e para me despedir das guloseimas, passava a ingeri-las em quantidades ainda maiores tentando me convencer de que era a última vez.
Em uma semana, vi desfigurado o físico que levei quatro meses para construir. Nada era capaz de conter meu desejo por doces, nem mesmo o constrangimento diante do espelho ou as atitudes descompensadas como esconder alimentos no guarda-roupa para não ser flagrada na cozinha vasculhando os armários e a geladeira. Comia tanto, mas tanto, que quando as dores de estômago eram sufocantes, apelava para métodos compensatórios e bulímicos.
Esse distúrbio, associado quase sempre a obesos, não ganha a devida importância quando relatado por pessoas magras como eu. Raspar o fundo da panela até não deixar vestígio de comida era um hábito de infância controlado com muito sofrimento e isolamento social quando comecei a competir.
Nos últimos dois anos, tive algumas recaídas no “off season”, período em que a alimentação é mais flexível, o que não comprometeu significativamente o resultado das preparações, mas acionou o sinal de alerta na minha cabeça.
Assim como um alcoólatra evita o contato com a bebida para manter a sobriedade, entendi que devo me desviar de armadilhas como produtos saborosos, altamente calóricos, mas pobres em valor nutricional, que geram vício, enganam o cérebro e desencadeiam a compulsão.
Tentar compreender os fatores psicológicos que agravam o problema e traçar objetivo a curto prazo também são estratégias que têm me ajudado a deixar para trás esse túnel do terror e a voltar a projetar um futuro no esporte.
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