O incêndio que destruiu o prédio e acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, entre a noite de domingo e a madrugada desta segunda-feira, queimou também parte da história de Marília em peças, fósseis e documentos sobre a pesquisa de dinossauros na cidade.
A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), responsável pelo Museu, mantém acordo de pesquisa com Marília e recebeu por doação algumas peças como fosseis de restos e ninhadas do crocodilo Mariliasuchus.
Willian Nava, pesquisador de Marília, durante visita e conferência de fósseis no Museu Nacional – Acervo Pessoal Willian Nava
O animal viveu há 70 milhões de anos na região e foi descoberto em 1995 pelo pesquisador autônomo Willian Roberto Nava, hoje coordenador do setor de paleontologia da cidade.
Havia ainda outras peças de dinossauros e resultado de pesquisas dos técnicos da UFRJ na cidade e na região. Alguns fósseis doados pela cidade escaparam do fogo por estarem em um prédio da UFRJ.
“E não só em paleontologia. Foi perdido acervo sobre povos indígenas, povos da África, outros países, objetos de grande importância história, um acervo muito rico que estava em exposição. Além disso, objetos de estudos, pesquisas, trabalho de cientistas, uma perda inestimável”, disse Nava ao Giro Marília.
Pesquisador Willian Nava com peça do Museu Nacional em 2016 – Acervo Pessoal Willian Nava
O pesquisador faz coro a cientistas de todo o país que consideram o incêndio resultado de uma grande falha em investimentos de prevenção e lembra que o corte de recursos vem limitando a pesquisa, descoberta e preservação há alguns anos, inclusive com restrições de viagens das equipes da UFRJ para a cidade.
Nava esteve no museu em 2016 e além das peças da cidade visitou e documentou outras peças do acervo. “Agora se fala muito em esforço de recuperação. O prédio está lá, pode ser refeito, mas o acervo não, não é material que se compre, que vá a alguma loja e ache”, lamentou.
Para os dirigentes da universidade, o incêndio é a maior tragédia museológica do país. “Uma perda incalculável para o nosso patrimônio científico, histórico e cultural.”
O reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, informou que terá hoje (3) uma reunião com o ministro da Educação, Rossieli Soares, e cobrará do governo federal empenho para reconstruir o prédio e o acervo da instituição, que, segundo o próprio Museu Nacional, tem a maior coleção da América Latina.
“Para o país, é uma perda imensa. Aqui temos a nossa memória. Grande parte do processo de constituição da história moderna do Brasil passa pelo Museu Nacional. Este incêndio sangra o coração do país.”
Fachada do Museu Nacional em 2016 – Acervo Pessoal Willian Nava
“A cadeira real do antigo imperador do Brasil não estava ali, mas outro trono tinha destaque no acervo. Era do rei Adandozan, do reino de Daomé (atual Benin), na África, e que foi dado em 1811 para Dom João VI como uma prova da boa relação que o reino português – recém fugido para o Brasil – queria manter com este povo”, conta Raphael Kapa jornalista, historiador, doutorando em História pela UFF e trabalhou como instrutor na exposição do Museu Nacional por seis anos.
Há outras peças que além da história nacional mostram relações diplomáticas e acervo de outros países. Cita caso como trono do rei Tamehameha II, das ilhas Sandwich (atual Havaí) ao imperador D. Pedro I, exposições de Grécia, Roma e Egito, incluindo material sobre vida cotidiana na península itálica de muitos anos antes do nascimento de Cristo.
“Ao contrário do que muito foi escutado na cobertura do incêndio, o acervo do Museu Nacional transcende os seus 200 anos.”
O museu ocupava prédio que serviu como castelo para a família real no Brasil a partir do século 19. Além de informações e peças da história imperial, reunia material como os fósseis de Luzia, a mais antiga moradora de país que mudou a percepção sobre o deslocamento da humanidade da África até a América.
“É também o museu que fez importantes descobertas paleontológicas e se transformou em um dos principais centros de estudo na América Latina. São dezenas de pesquisadores que perdem completamente suas pesquisas. O prédio, tombado como patrimônio público, poderá ser reerguido. Não será como antes, infelizmente.”
Veja abaixo galeria de fotos do incêndio