Emprego

Ruda Ricci, cientista político

Ruda Ricci, cientista político

– Como vê as relações de trabalho no país hoje

Temos, no momento, uma infeliz situação de somatória da  precarização do trabalho com rebaixamento da renda e aumento do desemprego no país. Isto ocorre, em parte, pela política econômica que alia desvalorização do real com altas taxas de juros.l, desestimulando investimentos produtivos.

Em parte, porque estamos nos desindustrializando. Estamos nos firmando como país produtor de commodities, produtos que não exigem mão-de- obra qualificada, rebaixando a média salarial de todas profissões. Finalmente,  a redução drástica das políticas de proteção social nos joga num mundo selvagem.

– De que forma a reforma trabalhista impacta nestas relações?

A reforma trabalhista se soma à ampliação do trabalho terceirizado. O professor Ruy Braga, da USP, sustenta que em dois ou três anos teremos 75% dos trabalhadores do Brasil terceirizados. No ano passado, tínhamos 25% dos trabalhadores nesta condição. Esta situação diminui o poder de barganha das categorias profissionais para negociar condições de trabalho melhores. Justamente porque a terceirização gera um “cada um por si”. Terceirizados podem ser demitidos a qualquer momento.

A reforma trabalhista diminui ainda mais este poder de barganha porque autoriza que as negociações entre patrão e empregado possa ocorrer individualmente. Mais: o acordado pode desconsiderar qualquer acordo coletivo realizado pela categoria.

Evidentemente que o objetivo é diminuir o poder do coletivo de cada categoria e o papel do sindicato. Uma trabalhadora grávida pode, ao arrepio da atual legislação, declarar que pode trabalhar, como ocorria no século XIX, obviamente temendo ser demitida se for ameaçada (o que constitui assédio moral). Evidentemente que o fim do imposto sindical e a recente Medida Provisória 873, de 1 de março deste ano, que desconsidera a decisão de assembleias que decidam pelo pagamento de mensalidade sindical (impondo pagamento individual por boleto). soma-se a esta tentativa de precarizar o trabalho e diminuir qualquer poder de reação dos trabalhadores.

O interessante é que o argumento para tal desumanização e aumento irresponsável da exploração do trabalho é que isso aumentaria o emprego e melhores condições salariais. Ocorre que o que acontece desde então é justamente o contrário: aumenta o desemprego (atingindo mais de 13 milhões de brasileiros), aumenta o número de postos de trabalho informais (em especial, no DF, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, segundo levantamento da Folha de S.Paulo divulgado em 8 de março), e a participação do salário na renda geral das famílias brasileiras cai (segundo levantamento da consultoria Kantar WorldPanel), aumentando a dependência em relação à pensões e trabalho informal.

– O que aponta como maior necessidade de mudança para promover mais justiça nas relações de trabalho?

A justiça do trabalho é um dos poucos instrumentos institucionais de defesa do trabalhador contra a superexploração e negação de observação de direitos garantidos em lei. Amparada na Constituição de 1988, a justiça do trabalho é um garantidor da proteção contra a despedida arbitrária, ou sem justa causa, piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho prestado, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias, licença-paternidade, irredutibilidade salarial e limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e 44 semanais.

No TST, em 2010, foram recebidos 157.068 casos novos e nos TRTs, 554.574. Do total de processos autuados, 42.347 (7,7%) eram do rito sumaríssimo. E ainda foram autuados 944 dissídios coletivos. Nas Varas, foram recebidos 1.987.948 casos novos. Só no estado de São Paulo, foram ajuizados 27,7% do total de casos novos, enquanto nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, foram ajuizados, respectivamente, 11,3% e 10,1%.

Destaque-se, também, a proibição de qualquer tipo de discriminação quanto a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. É nítido que se trata, portanto, não de um argumento de racionalidade das relações de trabalho, mas de ataque a um órgão público de defesa do direito estabelecido em lei e de estabelecimento de equilíbrio dada as relações de poder desproporcionais de quem detém o poder de contratar e o contratado.

Ruda Ricci, cientista político, mestre em Representação Sindical no Brasil pela Unicamp e Doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Diretor-geral do Instituto Cultiva em Minas Gerais