O dia amanhece, leio as notícias, tentando entender o caótico Brasil 2019.
É dia do trabalhador e vejo uma reportagem que trata das novas relações de trabalho. O cidadão entrevistado aponta o surgimento de uma nova categoria de trabalhador, a qual ele dá o nome de “empreendedor”.
Sutilmente, ele declara que o empreendedor não é um empresário, mas um trabalhador com autonomia para fazer seu horário, suas próprias condições de trabalho. Cita como exemplo, o motorista de aplicativo.
Não contenho a gargalhada. O famoso “bate e assopra”.
Ora, entre os motoristas de aplicativo há engenheiros, advogados, professores que perderam seus empregos e salários. Estão trabalhando, dirigindo pela cidade não porque apreciem o trânsito e o afastamento do trabalho que escolheram desenvolver, mas porque precisam de renda para sobreviver. É o que o sociólogo Ricardo Antunes, no livro Privilégio da Servidão, chama de “novo proletariado de serviços digitais”
Empreendedorismo de necessidade é a prova nua e crua da deterioração das relações de trabalho. O trabalhador passa a trabalhar sem limite de jornada, percebendo valores menores que o salário auferido no trabalho formal, sem garantias trabalhistas e previdenciárias, enquanto o empregador obtém lucros maiores.
A reforma trabalhista aprovada em 2017 tinha como promessa a geração de emprego, mas o que vemos é a taxa de desemprego chegar a 12,7% no trimestre encerrado em março (dados do IBGE). Já somos 13,4 milhões de brasileiros sem emprego. Falam em 5 milhões de desempregados por desalento, aquelas pessoas que já desistiram de procurar emprego. Choro quando leio isso, imaginando o desespero dessas pessoas.
No entanto, a reforma trabalhista que impôs a terceirização e a dificuldade de acesso ao Judiciário pelo trabalhador, além de não cumprir sua promessa de geração de emprego, trouxe em seu bojo o empobrecimento do trabalhador, trouxe a escravidão. Em um mundo de milhões de desempregados, ninguém acredita que o empregado vá negociar diretamente, de igual para igual, com o empregador. E o trabalhador se submete à vontade do empregador para poder alimentar a si próprio e sua família.
O curioso é ver que não apenas o trabalhador se deu muito mal com a reforma trabalhista. À medida em que salários diminuem, o dinheiro que circula no país também diminui e vemos muitas empresas fechando e pequenos e médios empresários falidos.
A reforma trabalhista e agora a reforma previdenciária não foram criadas para beneficiar o pequeno empresário, aquele que gera emprego, e tampouco o trabalhador. O fundamento dessas reformas é beneficiar o mercado financeiro, é concentrar o dinheiro do país na ciranda financeira, é o lucro do banqueiro. E o país corre para os braços da recessão, a passos largos.
O que vejo e sinto hoje é um país com crescente número de miseráveis desempregados ou subempregados e bancos com lucros inacreditáveis.
A solução para o restabelecimento do equilíbrio nas relações de trabalho passa, a meu ver, pelo trabalho de esclarecimento da base trabalhadora, o que na atual forma em que o país está constituído, pode ser feito por sindicatos e partidos políticos. É reforçar o movimento social. É ir para a periferia, para o proletariado, e em uma linguagem acessível apontar os graves ataques oriundos da elite financeira do país.
É de alguma forma, conversar com o pequeno empresário, o “empreendedor” e mostrar que o país só cresce quando gera renda ao pobre, que o pobre é o grande consumidor e aquele que pode gerar lucros. É incluir o pobre no orçamento do país (!).
A solução passa pela conscientização da classe média de que também é proletária. Que seu filho médico precisa trabalhar em quatro ou cinco lugares para auferir uma renda razoável e que isso é escravidão, ao passo que o direito ao lazer e o convívio com a família é prejudicado.
A unificação da classe média e pobre faria esse país gigante em força e riqueza e, por isso, ainda espero que sindicatos e partidos políticos, intelectuais, estudiosos de economia, direito, sociologia, as pessoas, enfim, com conhecimento retornem às bases sociais, as esclareçam e retornem à luta social.
Ninguém solta a mão de ninguém. Eu vou morrer bem velhinha e ainda acreditando na força do povo.
Cássia Silva, servidora aposentada da Justiça do Trabalho, fotografa e ativista cultural em Marília