Marília

Diário de um quarentener – A arte como salvação

Diário de um quarentener – A arte como salvação

Tenho visto, nesses tempos de pandemia, uma grande aflição de muitos: depressão, luto antecipado, ansiedade, pessimismo e um saco de sentimentos que faz com que o abismo os olhe de volta quando o encaram. É o sofrimento da existência que obriga a todos a entrarem em contato com a coisa em si, realidade bruta.

Eu, particularmente, tenho aproveitado esse momento para ler mais e colocar em prática coisas que antes tínhamos o espaço necessário entretanto não tínhamos o tempo. E agora nos encontramos presos em nossos habitats mas temos o tempo livre.  Mas, afinal, o que fazer com ele? É preciso encontrar algo para permanecer saudável e não é ficar o dia inteiro no gabinete do ódio (as redes sociais) que vai produzir o melhor resultado.

É nesse momento que surgem duas figuras interessantes para nos ajudar a encontrar saídas (para nós mesmos). Ainda que vivamos numa Era de negação da ciência, eu sou teimoso, sou um tenaz defensor do conhecimento. Pois, Domenico de Masi e Arthur Schopenhauer, o primeiro otimista e o segundo pessimista, mas contraditoriamente complementares nos trazem interessantes reflexões acerca dessa conjuntura que se apresenta.

Explico. Domenico de Masi ensina em seu livro O Ócio Criativo a necessidade de se usar o tempo livre para transformar o ócio em atividade criadora. Ele acredita que, assim, serão as sociedades no futuro, em que pese as particularidade de cada uma.  Aí, lendo uma entrevista do autor italiano no Estadão, no domingo, quase bato com a cabeça no teto quando ele ousa falar em usar o tempo livre para a cultura e a arte.

Ecco! Isso ajuda a explicar porque eu não tenho sofrido nessa quarentena. Como  artista e professor, recriei minha rotina para viver essa nova realidade, talvez provisória. Coloquei em prática vários projetos arquivados em minha memória e exercitei uma atividade criadora que me permitiu viver plenamente são nesse momento.

Aliás, escrevo essas tortas linhas depois de anos, justamente para compartilhar essa experiência com mais pessoas, principalmente aqueles que estão sofrendo com esse cenário imposto pela natureza, ou pelos deuses, como preferirem. É aí que emerge a figura de Schopenhauer, feroz defensor da Estética como forma de libertar o homem de sua cruel realidade.

O sofrimento da existência pode ser, ao menos transitoriamente, substituído pela beleza da música ou da Literatura, por exemplo, e ajudar o homem a se encontrar e enfrentar o abismo com mais destreza pois munido com uma força vital que as artes proporcionam.

Essa é a direção. Ainda que alguns falem da necessidade de se retomar a economia (esse é um assunto para um próximo devaneio) é o que temos de melhor para o momento. Nossos corpos estão presos, mas não nossa mente. Nossa imaginação pode ser o que quiser nesse momento que pode e deve ser usado oportunamente para o crescimento que importa ainda que o capitalismo nos tenha feito desaprender, com sua lógica utilitarista, o crescimento por meio do conhecimento e da contemplação.

Me vem então à mente o exemplo mencionado por Cioran, o filósofo romeno, para quem alguns valores deveriam ser preservados: : “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que lhe servirá?’, perguntaram-lhe. ‘Para aprender esta ária antes de morrer’”.

Sendo assim (já que é para ser assim, inexorável) que seja o melhor possível. Recuperemos nossa essência nos libertando dessa lógica que colocou a todos numa encruzilhada. Afinal, a humanidade continua e temos mais uma chance, após tantas epidemias brutais como a gripe espanhola e a peste negra em que não saímos melhores como indivíduos, repetindo, temos mais uma chance, por isso:

#ficaemcasamasficapleno

De passagem: as lives têm sido criticadas, mas esse não é o caminho. É arte de graça florescendo de forma democrática para um universo enorme de pessoas. É evidente que isso não substitui a vivência real, mas, novamente, é o que temos: saibamos aproveitar.