Com baixo nível de serviços, falta de auxílio financeiro e impossibilidade de contato físico, profissionais de beleza da cidade de São Paulo buscam alternativas de trabalho pela internet.
“Antes mesmo da quarentena começar, as pessoas desmarcaram. Atendi só três pessoas no mês de março”, diz Anna Procidio, cabeleireira especializada em coloração que trabalha na Zona Sul da capital paulista.
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No entanto, para quem quer “fazer loucura no cabelo em casa”, Anna passou a oferecer uma consultoria em que ajuda a cliente com o passo a passo da coloração fantasia – que seriam tonalidades variadas de cores como azul, verde, rosa, que vão além do moreno, ruivo e loiro.
Após o pagamento, Anna marca um horário para que a cliente faça perguntas via WhatsApp. “A pessoa me passa um resumo do cabelo e o que ela quer. Eu tiro todas as dúvidas, explico sobre marcas, misturas e como aplicar a coloração”, explica.
“Enquanto ela estiver perguntando, eu não paro de falar, não tenho hora para acabar”. A consultoria custa, em média, R$ 70.
Ela levou um tempo para pensar qual alternativa seguiria. De início, fez uma promoção de corte e aplicação de máscara, que vai estendendo conforme o isolamento é prorrogado.
O estado está em quarentena desde o dia 24 de março devido a pandemia do novo coronavírus. Mesmo com novo decreto que coloca salões, barbearias e academias na lista de serviços essenciais, esses estabelecimentos seguem fechados.
Por serem autônomos, não possuírem renda fixa, e dependerem do contato físico para trabalhar, o distanciamento social impacta diretamente a rotina e o bolso desse grupo de trabalhadores.
Samantha Deodato, maquiadora e penteadista, define a falta de trabalho como ” desesperadora “. “Eu estava acostumada a trabalhar de segunda a segunda. De repente veio esse impacto”, lamenta.
Há um ano, ela trabalha exclusivamente na área da beleza e atende em domicílio. Ela ainda está trabalhando, mas poucas clientes a solicitam. Mesmo com o isolamento social em vigor, ela atendeu recentemente a uma mulher que se reuniria com as amigas para almoçar.
Maquiagem on-line
Samantha também tem disponibilizado aulas de maquiagem on-line, mas chama atenção para a concorrência. “A internet está cheia de gente ensinando a se maquiar e as pessoas nem sempre querem pagar por esse tipo de serviço”, explica.
O maquiador Renan Tavares conta que, em março, fez três trabalhos. Todos foram para ensaios fotográficos de uma marca. Mesmo antes da quarentena começar, diversas modelos já tinham parado de aceitar trabalhos para não se exporem ao vírus.
Em abril os trabalhos pararam, e Renan agora explora suas técnicas na web. Entre lives no Instagram e vídeos de caracterização no aplicativo de vídeos TikTok, ele apostou nas aulas on-line de uma modalidade que nomeou de maquiagem quântica.
“É um método que envolve maquiagem, espiritualidade e conscientização para elevar a autoestima e ajudar que pessoas se identifiquem com sua própria beleza natural”, explica ele.
O maquiador alia beleza à ciência e ensina exercícios capazes de aliviar olheiras e acne, por exemplo. Além disso, técnicas de maquiagem e linguagem corporal são ensinadas.
As palestras eram presenciais, mas uma sessão precisou ser desmarcada. Agora as aulas são na internet e são gratuitas . Renan deseja disponibilizar o curso em plataformas em que o acesso é pago, mas acredita que isso não seja feito durante o isolamento. “Preciso de um suporte para fazer isso, e eu não tenho agora.”
Auxílio emergencial
Apesar de o Ministério da Cidadania afirmar que o pagamento da primeira parcela do auxílio emergencial foi paga para 50 milhões de pessoas , muitas ainda não conseguiram nem mesmo aprovação. É o caso de Anna, que se cadastrou no fim de abril e até agora não foi aprovada.
“Até brinquei no Facebook que pararia de olhar o site do auxílio, mas me orientaram que alguns cadastros estavam como inconclusivos”, diz. Isso aconteceu devido a apagão no sistema de aprovação do Governo Federal, que ocorreu no mês de abril e prejudicou mais de 30 milhões de pessoas . A cabeleireira realizou o cadastro pela segunda vez e segue em análise .
“Desde o começo eu defendo a ideia de ficar em casa e estou fazendo apenas o necessário. Em contrapartida, a gente precisa de garantia e de auxílio”, desabafa.
Para que pessoas na mesma situação que ela possam continuar se mantendo confinadas, Anna afirma que a distribuição do auxílio precisa ser normalizada rapidamente.
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Samantha e Renan afirmaram que não tiveram problemas para receber a primeira parcela do auxílio emergencial . “Mas a espera foi terrível”, desabafa Samantha. Segundo Renan, o pagamento dele aconteceu dentro do prazo divulgado pela Caixa Econômica.
No entanto, Renan alerta para as dificuldades da classe maquiadora. O motivo primário seria o fato de muitos desses empregados não terem cadastro de Microempreendedor Individual (MEI) e, por isso, não emitirem nota fiscal. “Muitos não têm respaldo, não têm a profissão estruturada, mesmo vivendo apenas dessa renda”, explica.
Serviço essencial
No último dia 11, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou decreto no Diário Oficial da União (DOU) afirmando que serviços prestados em salões de beleza, barbearias e academias passariam a ser considerados como essenciais. A mudança, no entanto, não passou pelo Ministério da Saúde .
Ao longo da semana, os governadores se mostraram contra a decisão e afirmaram que esses estabelecimentos permanecerão fechados.
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Mesmo impactando diretamente em seu fluxo de trabalho, Renan afirma que essa é a melhor forma de controlar a pandemia. “Infelizmente é um mal necessário para evitar uma tragédia maior”, diz.
Samantha, por outro lado, diz não ver problemas em ver esses estabelecimentos reabrindo, desde que sigam com as medidas de segurança. “Tem homens que não fazem a barba em casa, por exemplo, e quase ninguém corta o cabelo sozinho”, diz. Ela afirma que, por barbearias e salões de beleza estarem também ligados à higiene pessoal, os profissionais de beleza e seus estabelecimentos devem ser encarados como prestadores de serviços essenciais.
Anna diz que, se houver liberação, cogitaria atender apenas clientes que também estão em confinamento e que não utilizem transporte público. Mas não acha certo.
“Estou precisando de verdade, mas eu não posso agir como se nada estivesse acontecendo e abrir normalmente”, diz. “Eu falo que o que eu vendo é ‘coisa de luxo’, não é necessidade.”