Sou de um tempo, em que as brincadeiras eram realizadas com poucas coisas: carrinhos de rolimã, pipas ou papagaios, bolinha de gude e, como boa parcela dos garotos, com uma bola de futebol, descalço pela rua. Isso indicava a vida simples de uma cidade pequena do interior…
Sou de um tempo, em que os mais velhos, à beira do fogo feito a lenha, nos meses de junho e julho, nas fazendas ou na cidade, regados à pipoca, a doces caseiros e a milho verde, travavam longos e épicos diálogos sobre a mula sem cabeça, o lobisomem, o saci e outros folclóricos personagens…
Sou desse tempo, em que os olhos, janelas da alma, como afirmava minha vó, filha de uma descendente de índios que fora pega a laço na mata para, no futuro não distante, casar-se com um filho do meio do senhor de fazenda que cujo olhar, antes de açoitar, conjugou outro verbo, o amar…
Sou um pouco desse tempo e, também do presente, onde as máscaras já não servem mais de tradição cultural. Não apontam tampouco para a Praça São Marco, como reduto de amores incríveis, não levam à curiosidade, e, ao deleite daqueles que se escondem para mostrar a sua outra personalidade, e por fim, não condizem ao olhar do sedutor espanhol ou ao do herói de capa preta…
Nesses tempos modernos, repleto de avarias, de tristezas, de incertezas, de maus comportamentos políticos, sociais e econômicos, e, sobretudo, de desesperança, lembro-me, sem excesso de nostalgia, dos olhos de minha avó, ao dizer- me que a vida não é uma ilha solta no oceano, repleta de sonhos e de realizações concretas, mas sim um grão de areia à beira da praia que necessita de outros grãos para produzir a beleza que reflete as águas do oceano…
Hoje, com a certeza de que minha avó, com o seu conhecimento, conquistado a duras penas, sobre a vida, estava à frente do seu tempo. Percebo que, igual ao grão de areia, se não nos unirmos seremos, na história apenas um ponto, quando muito, uma vírgula, uma ilha esquecida. Isso nos levará à ausência de sonhos e de realizações como náufragos digitais e com máscaras que poderão marcar não capítulos repletos de saudade, afeição e solidariedade, mas sim futuras lembranças trágicas!
No futuro, espero ser do tempo em que olhos, janelas da alma, possam exercer seu encanto e que as máscaras, representação da cultura, dos desejos, da arte e da construção da civilização, não representem a prevenção, o medo, a incerteza e a insegurança!
Antônio Marcos da Costa Lima , mestre em Letras pela UEL – Universidade Estadual de Londrina, é professor de Línguas e Literaturas Portuguesa,Latina e Alemã , formado pela Unesp – Campus de Assis , possui pós graduação na área de Humanas pela PUC – Pontífice Universidade Católica e pela UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos .