Era uma tarde comum de maio, se não fossem dois fatos: o jovem, com dois livros nas mãos, um copo com água e uma mochila, sentado na Times Square no cruzamento da Sétima Avenida, olhando assustado o silêncio mórbido, como um dos personagens dos seus livros; e uma menina loira de olhos azuis, exaltada, com uma bandana na face, suplicando, com os olhos, o estabelecimento da ordem e da igualdade.
Com o passar das horas, a água acabou, a sede tomou conta, e ele decidiu escolher um livro para ler. Como tinha na mochila, a opção de ler “A Metamorfose”, de Franz Kafka, ou “A autobiografia de Martin Luther King”, de Clayborne Carson, uma dúvida invadiu sua decisão: qual escolher?
Andou mais um pouco e, após observar que o silêncio estava acabando com os passos e os gritos de ordem e de antirracismo, resolveu escolher Kafka, sem uma ideia anterior, só pela curiosidade de conhecer o personagem central da narrativa, aludido pelo seu professor de literatura da Columbia University. Retirou da mochila o livro, comprado num sebo, sentou-se, agora, em frente da Quinta Avenida…
Muitas pessoas, ajoelhadas e de punho em direção ao céu, permaneciam no seu protesto, enquanto o jovem, sem perceber, dialogava com Gregor Samsa, personagem central da sua narrativa, e não viu o perigo. Nesse momento, uma luz invadiu os seus olhos. Um carro de polícia parou e o abordou…
Mais uma vez, a liberdade perdia espaço para o bom senso…ao longe, a Estátua que simbolizava o orgulho da nação, sem encanto, ficava opaca. O toque de recolher, encerrava ou iniciava, ainda não sabemos, a trágica realidade de uma nova ordem mundial. Sem liberdade e sem ar, como o personagem da narrativa desse jovem curioso!
Antônio Marcos da Costa Lima , mestre em Letras pela UEL – Universidade Estadual de Londrina, é professor de Línguas e Literaturas Portuguesa,Latina e Alemã , formado pela Unesp – Campus de Assis , possui pós graduação na área de Humanas pela PUC – Pontífice Universidade Católica e pela UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos .