O chão está bordadinho, foi o que ela me disse enquanto passávamos por um pé de Ipê florido que derramava suas flores no chão.
Outrora, para me consolar, não sei bem se isso seria consolo, disse que eu não ficaria para varrer terreiro. Os baianos que me lêem entenderão o que ela quis dizer.
Quando consegue executar algo ou resolver sozinha, ela diz “eu sou eu e licuri é coco”.
Nervosa ou de saco cheio do comportamento dos filhos, exigindo respeito ela fala, não sou nenhuma ” pariceira” tua.
Nega é uma constante na boca dela, é uma forma carinhosa de chamar quem lhe custa caro, tem alto valor.
Mas também usa o nigrinha quando está brava, vem aqui sua nigrinha. Ouvi muito isso quando pequena e já tinha medo do que poderia vim depois.
É audaciosa, certa vez ao ir ao cardiologista o mesmo disse que deixaria de atendê-la caso ela não parasse de fumar, respondeu ao médico que ele não era o único cardiologista na cidade.
Odeia ser chamada de tia por terceiros e dependendo da idade do abusado ela emenda, nem sobrinho da sua idade eu tenho.
Vivem me elogiando pelo deboche e pelas respostas diretas. Aqui em casa, meu irmão e eu, levamos cada chulapada e rimos muito quando recebemos.
A mulher tem resposta na ponta da língua para tudo.
As conexões mentais, inteligência e raciocínio rápido não possuem correlação com diplomas pendurados na parede. Assim como sensibilidade não é algo que se aprende estudando teóricos.
Essa semana brigou feio comigo porque comprei um vidro de azeite. O problema? O vidro a ser descartado que pode ferir algum coletor.
Nas palavras dela, ” os bichinhos estão trabalhando e daí vão lá e se cortam.”
Eu sentia um prazer imenso ao ouvir cada palavra e olhando ela na pia me xingando.
Não por ser xingada, óbvio, mas pelo contexto atrás de cada palavra, pela preocupação com o outro e pelo cuidado.
Tenho em casa uma mistura de poeta, a que vê bordados no chão, alguém que usa expressões que poderiam servir de estudo Antropológico, uma defensora de Direitos Humanos e alguém que manja muito de política sem nunca ter lido um livro se quer.
A baiana arretada que deixou a Bahia há muitos anos atrás mas que a trouxe embrulhada num pacote e vez ou outra abre para tirar alguma coisa dali.
Tenho uma poeta em casa, vê beleza em coisas que já estão mortas para mim e traz encantamento.
Não tiro da cabeça o bordado do chão e a partir dali dirigi encantada pensando como tem alguém tecendo desenhos rosa no chão.
Ou se não tece, tem minha mãe que consegue imaginar que sim.
E que me tira poesia no meio do trânsito e de uma pandemia.
“A poesia existe porque a vida não basta”.