O escândalo dos tablets, como ficou conhecida a investigação e agora ação penal que apura desvios na compra de equipamentos para a Secretaria Municipal de Saúde em Marília envolve acusações de fraude à licitação, superfaturamento, peculato, formação de organização criminosa e falsidade.
O Giro Marília teve acesso a detalhes da denúncia apresentada pela Procuradoria da República em Marília e transformada na ação penal pela Justiça.
O documento, com mais de 50 páginas, também indica mais crimes a serem investigados em situações que fogem da alçada federal e devem provocar procedimentos estaduais.
A ação tem nove réus, incluindo o ex-secretário de Saúde e hoje Vereador Danilo Bigeschi, os ex-secretários de Saúde Hélio Benetti e Fernando Roberto Pastorelli – hoje assessor de Danilo na Câmara, e empresários, em especial Fauzi Fakhouri Júnior, cunhado de Danilo acusado de organizar e orientar a fraude.
O MPF diz ainda que a organização para a fraude começou em 2013, envolve medidas para aproximar o cunhado do então assessor especial Danilo Bigeschi da administração municipal.
Cita mensagens em que Fauzi pede “espaço no palanque”, “interação com o chefe de gabinete”, “reunião com o chefe [do Executivo Municipal]” e os “e-mails do Prefeito”, além de perguntas sobre “os projetos federais” e “qual o domínio (…) junto à prefeitura você [DANILO] tem?”
“A frustração do caráter competitivo deu-se basicamente mediante: (i) prévio ajuste entre os denunciados; (ii) dissimulada cotação de preço médio para a aquisição dos produtos; (iii) inserção de cláusulas restritivas, de modo que apenas a empresa KAO conseguisse atendê-las; (iv) restrição da publicidade do certame, impedindo que outras empresas interessadas dele participassem; e (v) inobservância da necessidade de submissão das alterações do Edital ao aval pela Procuradoria-Geral do Município”, diz um dos trechos do texto ao qual o Giro teve acesso.
A denúncia do MPF pede que em caso de condenação os acusados sejam obrigados a devolve aos cofres públicos R$ 522.841,50, a serem atualizados. A longa petição detalha situações como a movimentação financeira, pagamentos, abertura de contas e “coincidências” que indicam a formação da quadrilha.
Segundo o documento, cada tablet custou para a empresa KAO o valor aproximado de R$ 949,22, ao passo que foi “negociado” no Pregão Presencial nº 135/2016 pelo valor unitário de R$ 2.350,00. “Um lucro de incríveis 147,57% sobre o custo de aquisição.”
“Os dados obtidos com a quebra de sigilo bancário também revelaram que, após o depósito realizado pela Prefeitura de Marília na conta da empresa KAO, iniciou-se uma incomum recorrência de saques de altos valores em espécie realizados na boca do caixa. Assim agindo, os denunciados FAUZI, DANILO, FERNANDO, VINÍCIUS, MURILO, HÉLIO e ALEXANDRE, em concurso de agentes (art. 29, CP), incorreram nas sanções previstas no art. 312 do Código Penal.”
A COMPRA
Os tabletes foram comprados em 2016, na gestão do ex-prefeito Vinícius Camarinha, com justificativa de dar aos agentes de saúde estrutura de tecnologia para monitorar o controle de dengue.
“Nesse contexto, tudo se inicia com uma importante ideia para a saúde dos munícipes de Marília, que foi deturpada e utilizada como plataforma para o desvio de recursos públicos federais”, diz a denúncia.
O texto mostra que em um primeiro momento, ainda em meio à epidemia que provocou mortes e milhares de caso na cidade, a sugestão técnica para compra dos tablets foi engavetada.
Teve ainda retomada depois com indicações de organização da fraude, mudanças no volume de aparelhos comprados – muito maior que o número de agentes – e seguidas suspensões e retomadas da licitação com mudanças denunciadas como parte da fraude.
“Agindo com unidade de desígnios, identidade de propósitos (isto é, em conluio) e de forma dolosa, frustraram, mediante ajuste, combinação e outros expedientes, o caráter competitivo do procedimento licitatório Pregão Presencial nº 135/2016 da Prefeitura de Marília/SP, com o intuito de obter, para si e para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto dessa licitação”, diz a denúncia.