Talvez sem perceber, o professor Tarun Khanna da Universidade de Harvard me deu a primeira lição sobre o que é inteligência contextual antes de começar formalmente a entrevista, quando estávamos falando sobre a situação que causou a pandemia.
Assim que se conectou ao Zoom, ele me cumprimentou em espanhol com um sorriso, mas logo esclareceu que, apesar de falar vários idiomas, ele só conseguia ler espanhol – a repórter é da BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
“A crise atual está nos fazendo voltar a uma ideia básica”, disse ele.
“Temos que ter humildade suficiente para saber os limites de nossa própria expertise e não assumir que o conhecimento técnico é o mais importante para fazer algo funcionar.”
“Acho que isso é extremamente importante hoje em dia porque a forma como a pandemia da covid-19 será enfrentada será muito semelhante em diferentes países: distanciamento social, máscaras, vacinas e tratamentos quando estiverem prontos.”
“Os princípios universais são os mesmos. Mas a maneira como você os faz funcionar no local vai ser muito diferente.”
Conhecer o entorno é fundamental.
O contexto
Para mostrar o que queria dizer, apelou para seu conhecimento contextual.
“Você vem da América Latina. Sua cultura é como as culturas asiáticas: as pessoas são muito próximas, e nossas famílias têm laços muito próximos.”
“Vocês gostam de se abraçar”, ele me disse.
“Sim, claro”, respondi, fazendo-o ver como é difícil para pessoas como eu ficarem sempre alertas à regra dos dois metros.
Em outras culturas, refletiu ele, como a nórdica ou mesmo a britânica, a proximidade física é muito menor porque há a noção de espaço pessoal e individualidade.
“Eu cresci em cidades densamente povoadas: Mumbai, Nova Delhi e Bangalore”, disse ele em relação à Índia, um país dramaticamente afetado pelo novo coronavírus.
“Nessas cidades é muito difícil estabelecer distanciamento social.”
Como em outros países, onde existem locais com grande população, vivendo em espaços confinados e na pobreza, essas condições devem ser levadas em conta antes de colocar em prática qualquer estratégia que surja de modelos analíticos e ferramentas para reduzir infecções.
Por exemplo, na forma como os testes de covid-19 têm sido feitos em alguns países em desenvolvimento, “eles caíram na mesma armadilha de não respeitar a ideia de que você deve estar ciente das condições locais quando tenta implementar algo”.
Uma definição
Desde 1993, Khanna é professor na Harvard Business School, onde ministrou cursos sobre estratégia, governança corporativa e negócios internacionais.
Ele é o autor de Trust: Creating the Foundation for Entrepreneurship in Developing Countries (“Confiança: a criação da base para o empreendedorismo em países em desenvolvimento”), entre outros livros e artigos acadêmicos.
Um deles era intitulado: “Contextual Intelligence” e foi publicado em 2014 na Harvard Business Review, uma revista da Harvard Business School.
Ele definiu este tipo de inteligência como “a capacidade de compreender os limites do nosso conhecimento e de adaptar esse conhecimento a um ambiente diferente daquele em que foi desenvolvido”.
No texto, o professor alertou que até que esse tipo de inteligência seja desenvolvido “o índice de falência das empresas transnacionais continuará alto”.
Não é um termo novo, há referências acadêmicas à expressão de meados dos anos 80.
‘ Novas situações ‘
Em 2008, Joseph Nye, professor da Escola de Governança da Universidade de Harvard e um dos pioneiros da teoria do soft power, definiu esse termo como: “uma habilidade intuitiva que ajuda um líder a alinhar táticas com objetivos para criar estratégias inteligentes em novas situações”.
Assim ele descreveu a questão no artigo “Good leadership is deciding how to decide” (“Boa liderança é decidir como decidir”), publicado no jornal Financial Times.
Existe outra chave para a inteligência contextual: a capacidade de interpretar novas realidades.
Mas há mais: este tipo de inteligência se constrói com a ajuda de capacidades analíticas, mas também com o conhecimento que adquirimos com nossas próprias experiências.
“Em algumas situações, ‘habilidades de rua’ são muito mais importantes para o sucesso do que ‘habilidades de escola'”, escreveu o influente internacionalista.
Adaptação
Nesse sentido, Khanna me fez ver como era difícil aconselhar um executivo de alto escalão de um gigante da tecnologia que expressasse seu desejo de entrar em outros mercados sem perder de vista a inteligência contextual.
É que as restrições às viagens e as medidas de distanciamento social dificultam a forma como o conhecimento de um determinado contexto é adquirido.
“Dar uma resposta prática a isso é um grande desafio para mim, porque a maneira como gosto do meu trabalho é viajar: ir para Medellín ou Joanesburgo, fazer amigos lá, conversar com as pessoas, aprender a língua. Então você entende como funciona um negócio. Mas como fazer agora? É um desafio para todos”, disse ele.
Apesar de não achar que tem a resposta, ele explorou as opções existentes para se adaptar à nova realidade: por exemplo, criar grupos de foco e reuni-los em uma plataforma de vídeo para conhecer seus pontos de vista.
É essencial, explicou, que sejam ouvidas tanto as vozes daqueles que se especializam nesse mercado quanto as de outros atores dessa sociedade.
“Mesmo que seu negócio seja tecnológico, em última análise, sua tecnologia só funcionará para mudar as coisas em uma sociedade se atrair as pessoas na rua. Para fazer isso, você deve pedir a opinião, não apenas de tecnólogos, especialistas em finanças e funcionários do governo, mas também de ativistas sociais, adolescentes, jornalistas.”
A ideia é ter uma visão mais completa possível por meio de amostras representativas da população e aproveitar os recursos que existem em meio a essas circunstâncias.
Ampliar as conversas do grupo de foco “é algo que tem funcionado para mim nos últimos meses”, diz ele.
É que não se trata apenas de perceber quão bom é o nosso entendimento da nova realidade, mas quão bem estamos nos adaptando a ela.
‘ Múltiplas lentes de pensamento ‘
“Como podemos desenvolver inteligência contextual e até melhorá-la?” perguntei-lhe.
Após uma explicação interessante sobre nossas expectativas ao ingressar no sistema de ensino superior, no qual tendemos a nos especializar, ele me levou – acho que sem perceber de novo – a uma reflexão: por que você quer desenvolver sua inteligência contextual?
E embora, como explicará posteriormente, seja algo que os empregadores procuram em candidatos a cargos de liderança dentro das organizações, a resposta pode ser tão direta quanto: entender melhor a nossa realidade, independentemente do que façamos, e obter o melhor decisões.
“Quando eu era criança, eles sempre me disseram: ‘É preciso estudar algo prático para ser engenheiro, médico, contador. Não seja filósofo ou coisa parecida’. Não sei se o mesmo acontecia no seu país”, disse ele rindo.
Ele seguiu o conselho e estudou matemática nos Estados Unidos. “Algo que me permitisse, por exemplo, desenvolver programas de computador e ganhar a vida.”
“Mas descobri que os problemas mais difíceis na sociedade não são aqueles relacionados à ciência pura, os problemas mais complexos têm a ver com o comportamento humano e a mudança de opinião das pessoas”, refletiu.
Como resolver as mudanças climáticas ou como enfrentar futuras pandemias são dois exemplos e, em ambos os casos, é preciso pensar em comportamentos e atitudes.
É exatamente disso que trata uma das aulas que ele dá em Harvard, que incentiva os alunos a lidarem com problemas complexos por meio de “múltiplas lentes de pensamento”.
“É claro que a ciência vai nos ajudar a enfrentar os problemas”, disse ele, “mas também temos que desenvolver essas lentes muito amplas para ver a sociedade”.
E ao fazer isso, você está desenvolvendo inteligência contextual.
Pense em direções diferentes
“Acho que a coisa mais difícil de desenvolver é essa sensibilidade em relação às atitudes, às formas de pensar, e não acho que haja um atalho para isso. Acho que a melhor coisa a fazer é se expor a tipos de pessoas muito diferentes.”
“Idealmente, você deve ser capaz de encontrar pessoas de quem gosta, fazer coisas diferentes e desenvolver uma visão conjunta sobre como resolver os problemas.”
E ele me contou sobre outra aula que dá em Harvard e que se tornou muito popular, na qual ele busca explorar como um problema social é resolvido por pessoas de diferentes disciplinas: a análise que um arquiteto faz vai ser muito diferente da que ele faz um médico, um artista ou um matemático.
“Forçamos os alunos a pensar em direções diferentes” e a considerar com quem eles podem se conectar para fazer as propostas funcionarem.
Não devemos deixar de ser práticos e, como sociedade, devemos respeitar os diferentes estilos de aprendizagem.
A chave, insistiu, é “expor-se a diferentes formas de pensar, que podem ser dadas por diferentes áreas profissionais, origens ou nacionalidades, gênero, situação socioeconômica”.
Se você vai começar um negócio
É por isso que uma de suas recomendações ao iniciar um negócio em um país em desenvolvimento é conversar com as pessoas das áreas mais pobres.
“Normalmente ninguém lhes pergunta nada porque as pessoas simplesmente os ignoram”, refletiu.
“Eu digo a essas pessoas: ‘Ok, você quer fazer este produto. Então, sente-se e veja como as pessoas reagem a ele.'”
“Às vezes, um dispositivo médico que poderia ser muito útil para uma pessoa pobre, não será usado por ela porque ela pensará que provavelmente é muito caro e não tocará nele, mesmo que seja barato.”
“Você realmente tem que romper com esse tipo de desamparo, desamparo aprendido.”
“Na Índia, vi pessoas pobres em frente a um hospital que foi construído para elas e não entrando porque não podiam acreditar que é para elas.”
E isso requer inteligência contextual: você tem que saber que essa mentalidade existe e pensar em como mudá-la. “É um problema difícil, mas muito importante”.
Ao procurar um emprego
Questionado sobre se os responsáveis pela contratação estão prestando mais atenção à inteligência contextual, o especialista observou:
“Sim, eles estão fazendo isso nos níveis seniores. Já participei de conselhos de grandes empresas que estão em processo de contratação de alguém para um cargo C-Suite (termo que é agrupado com gerentes seniores, como CEO, diretor de operações, finanças ou informações) e muita atenção é dada aos julgamentos.”
Para fazer um julgamento muito bom, você precisa de um alto grau de orientação contextual e isso é importante em circunstâncias difíceis e ambíguas, por exemplo, quando não há informações suficientes.
E nessas situações de incerteza dentro de uma organização, é importante que a inteligência contextual seja aliada à inteligência emocional:
“Sem sensibilidade às necessidades dos outros, a análise cognitiva pura e a vasta experiência podem ser insuficientes para uma liderança eficaz”, escreveu Nye.
No caso do pessoal operacional e de nível médio, Khanna diz acreditar que menos atenção é dada a esse tipo de inteligência porque os empregadores muitas vezes procuram por habilidades mensuráveis.
Por exemplo: se você está procurando um desenvolvedor de software, mede a eficiência e a velocidade do software que esse candidato desenvolve.
A busca por inteligência contextual em candidatos a cargos de gestão e liderança não é algo novo, é uma habilidade muito valorizada nas organizações há anos.
Fluência em mais de uma cultura
Na verdade, em seu artigo, Khanna disse que uma das maneiras pelas quais as empresas podem adquirir inteligência contextual é contratando “pessoas que são ‘fluentes’ em mais de uma cultura”.
Em uma palestra que proferiu em 2013 na Chatham House, intitulada “Do US Presidents Matter?” (“Os presidentes dos Estados Unidos importam?”), Nye disse que inteligência contextual significa entender a cultura e estar ciente de que quando você muda de uma empresa para outra ou de um país para outro, a cultura também muda.
É também sobre “entender a distribuição de poder, entender as necessidades daqueles que o seguem”. “Mas para entender seu relacionamento com eles, essa parte do contexto, você tem que entender a si mesmo.”
“É aí que entra a inteligência emocional. Inteligência emocional significa ser capaz de entender suas próprias emoções, suas limitações e suas habilidades, e como você pode usar isso para se conectar com outras pessoas e fazer com que elas o sigam.”
Talvez o desejo de cultivar a inteligência contextual deva ir além da expectativa de um trabalho.
Com sua experiência de ensino, Khanna destaca o valor de se envolver em pequenos projetos que atraem nossa atenção, não apenas pelo potencial educacional que eles têm, mas porque podemos conhecer mentores e eles podem até nos encorajar a sermos mentores de outra pessoa de outra cultura, de outro contexto.
“Se eu tivesse que reescrever aquele artigo novamente, não falaria apenas sobre a mentalidade da inteligência contextual, mas sobre a mentalidade para desenvolver essa mentalidade.”
“Você precisa querer tê-la”, concluiu.
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