Preconceito e desinformação. Essa combinação é apontada pelo pesquisador Paulo Ribeiro da Cunha, livre docente em Ciência Política e professor da Unesp em Marília, como a principal deficiência nos discursos contra a atuação política de militares.
A conclusão é forma bastante resumida da análise de Militares e Militância, Uma Relação Dialeticamente Conflituosa, primeiro de quatro livros que o docente deve lançar sobre o tema e que acaba de ganhar sua segunda edição, revista e ampliada.
É uma obra destinada a criar reflexão e que apesar do viés histórico traz também apresentação e contextualização muito atual na análise do governo Bolsonaro, com alertas: a atuação é legítima dentro dos limites da democracia, sem golpes.
O livro parte de uma análise da participação de militares na vida política, seja em movimentos populares e de perfil social, seja em atividades conservadoras e liberais.
“Não é ruim para a democracia, muito pelo contrário. É um elemento de estabilidade, de vitalidade para a democracia”, diz o professor.
A publicação ganha repercussão, com divulgação em grandes portais, como UOL, e interesse em diferentes veículos e instituições interessadas no debate. Lançada pela Editora Unesp, pode ser comprada pela internet.
Parte da reflexão histórica especialmente sobre os militares de esquerda, que em diferentes momentos da história lutaram pela democracia e legalidade e enfrentaram repressão, às vezes de forma violenta.
“As forças armadas têm manifestações históricas de muitas conquistas. A monarquia caiu pouco depois que o exército divulgou a mensagem ‘não seremos capitães do mato’. O movimento tenentista do início do século XX, revolucionário de 35, exército na segunda guerra mundial e na luta pela democracia são algumas destas situações.”
General Bevilacqua, brigadeiro Moreira Lima e brigadeiro Francisco Teixeira, líderes militares alvos de perseguição pela ditadura
Paulo Cunha foi consultor da Comissão Nacional da Verdade por aproximadamente dois anos e mostra por exemplo que proporcionalmente ao número de profissionais os militares formam a categoria mais atingida pela repressão.
“As pessoas às vezes levam um susto quando veem estes dados e o grande número e atuação de militares legalistas, defensores da democracia. Trago dados sobre muitas manifestações de militares e na luta por direitos por pautas políticas que são democráticas e cidadãs. Agora, há uma dificuldade enorme em lidar com isso até hoje.”
O pesquisador cita exemplos como países em que forças armadas – um tema que em sua análise envolve também a polícia – têm direito a greve, de manifestações públicas, que são vedadas no Brasil.
Para Paulo Cunha, um passo importante na análise é entender que os militares não formam um bloco homogêneo e a forças armadas envolvem grupos e facções com diferentes visões e posições.
“Entre 1945 e 1964 houve muitas tentativas de golpe, mas com defesa da democracia por grupos de militares de esquerda.. A tradição golpista veio da direita militar, que não chegou sozinha ao golpe de 64, foi um golpe civil militar “, explica.