Os servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão ganhar pontos até quando negarem ou colocarem requerimento de benefício em exigência . Pelo menos é o que mostra a Portaria 1.286 de 5 de abril que o Extra teve acesso. Na última segunda-feira (21), o INSS publicou uma outra portaria (1.315) criando um projeto-piloto para bater metas de atendimento presencial por 60 dias nas Agências da Previdência Social (APS).
As metas serão de 4,27 pontos diários, para quem tiver jornada de 40 horas semanais, e de 3,20 pontos, para 30 horas. Embora esteja previsto para começar no dia 1º de julho, o programa ainda não está totalmente fechado.
Um gestor do INSS, que pediu para não ser identificado, avalia que a criação das Ceabs (Centrais Especializadas de Análises de Benefícios), que desvinculou os processos de suas respectivas gerências executivas, acabou acarretando mais atraso nas concessões por não levar em conta as particularidades de cada local.
“O servidor do Rio, por exemplo, pode encontrar dificuldade para concluir uma aposentadoria rural, mesmo que ganhe pontos. Servidores colocam esses processos numa espécie de reserva e vão pegando os mais fáceis para poder ganhar pontos (e bônus, no caso de quem faz parte do BMOB). E isso está gerando indeferimentos muito grande por conta do pagamento bônus. Afinal, é mais fácil indeferir um processo e ganhar o dinheiro logo do que concluir, que pode levar mais tempo”, adverte.
Paulo Bacelar, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), alerta para o aumento no prazo das análises.
“Uma pessoa que vai fazer uma revisão pode esperar até 1 ano para ter o processo analisado por três, quatro servidores diferentes”, critica Bacelar.
Na portaria, tem o detalhamento das tarefas e as pontuações. A tabela mostra que a pontuação pode ser antecipada em 0,80 ou 0,20 em alguns casos. Na aposentadoria da pessoa com deficiência, que vale 1,45 por tarefa concluída, o servidor terá antecipado 0,80.
Procurado, o INSS não se pronunciou. Fontes da autarquia avaliam que o programa, ao criar bônus apenas para uma parcela dos servidores, cria dois tipos de servidores e pode não vingar.
Sem levar em conta as particularidades
“A criação dos pontos mensais nada mais é que uma espécie de controle de frequência e de produtividade do servidor. Mas como avaliar a produtividade à distância sem conhecer as dificuldades pelas quais o servidor passa?”, explica o gestor.
Ele critica que a autarquia cobra quantidade de processos analisados por servidores, mas não leva em consideração que eles são mais velhos, muitos estão em trabalho remoto, e que para este servidor lidar com trabalho on-line é mais difícil.
“Essa questão de pontuação para o servidor por cada tarefa causa um prejuízo muito grande para o segurado. Antes do INSS digital um benefício, ou serviço, requerido em uma agência (do INSS) era feito por um único servidor. Ele mesmo analisava o cadastro, fazia os acertos, se tivesse que fazer exigência, ele mesmo fazia, o segurado cumpria e ele concluía o processo. Caso esse processo precisasse de revisão, o segurado agendava a revisão e o servidor abria o processo, incluía uma atividade, cadastrava, fazia todo o serviço”, explica Paulo Bacelar.
Bacelar acrescenta que com o sistema de pontuação, esse servidor não poderá fazer isso porque vai gerar tarefas para outros servidores que vão pontuar de formas diferentes.
Você viu?
“Eu, particularmente, avalio que as centrais deveriam ser vinculadas às gerências-executivas que teriam como acompanhar o andamento do trabalhho nas APS (Agências da Previdência Social). Com a criação da Ceab, a agências são alimentadas pela superintendência que é em Minas Gerais, que também cuida de Rio e Espírito Santo. Sendo assim, cobrar produção desse servidor é inviável, até porque nós não sabemos qual a dificuldade ele está enfrentando.”
Agendamentos serão prioridade
De acordo com a portaria, os funcionários que vão trabalhar com atendimento ao público deverão, obrigatoriamente, cumprir os atendimentos agendados, não podendo ser substituídos por tarefas, exceto no caso de não comparecimento do segurado ou não preenchimento da agenda.
O usuário que tiver atendimento agendado terá tolerância de atraso de até 10 minutos após o horário estimado para o atendimento, observado que, após esse prazo de tolerância, o agendamento será cancelado e não poderá ser entregue a senha para atendimento.
Os servidores que do programa vão ficar dispensados do controle de frequência sendo submetidos às metas diárias e às demais regras estabelecidas na portaria, que prevê que os servidores não poderão se ausentar do atendimento, mesmo atingindo a meta, enquanto existir segurado para atender e não houver quantitativo de servidores suficiente para garantir o cumprimento do atendimento ao público. É importante destacar que os servidores que quiserem participar terão que assinar um termo de compromisso.
Fenasps critica medidas
As medidas foram criticadas pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps). Para Viviane Peres, diretora da federação, “esses programas de gestão por produtividade foram aprofundados a partir de 2019 e geraram adoecimento nos servidores. Em 2019, 64% da categoria se afastou do trabalho por motivo de adoecimento”, informou em nota.
“O INSS trabalha com reconhecimento de direitos, trabalhadores e trabalhadores que necessitam do benefício para sobreviver, não é possível o governo tratar esse trabalho como “produto”. Existem outras formas possíveis de avaliar os servidores, não apenas nessa lógica de números, sem considerar a qualidade do trabalho, que necessita de tempo razoável para atendimento”, adverte a representante da Fenasps.
Segundo ela, a autarquia vai pressionar os servidores a atenderem “em linha de produção”.
“Com essa medida o INSS pretende vincular a produtividade às remunerações, intensificar e precarizar as condições de trabalho dos servidores com rebatimentos na qualidade do trabalho prestado a população”, diz Viviane.
“Na prática o INSS já está implementando uma contrarreforma administrativa, aprofundando a lógica produtivista e o assédio moral institucionalizado. Defendemos a jornada de trabalho, condições de trabalho e o atendimento com qualidade”, finaliza.