Diante do cenário de incerteza econômica no qual está inserido o país, com a economia claudicante e os contribuintes em constante litígio com o Fisco, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento importante no que tange a não utilização da persecução penal como forma de cobrança de tributos. Trata-se do julgamento da ADI 4.980, ocorrido no último dia 10 de março, no qual declarou-se a constitucionalidade do artigo 83, da Lei 9.430/1996, que estabelece que a representação fiscal para fins penais nos crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social somente será encaminhada ao Ministério Público após decisão final no processo administrativo fiscal, sem impedir, no entanto, a atuação antecipada da promotoria nos crimes formais, ou seja, naqueles crimes que não exigem o lançamento definitivo do crédito tributário para sua configuração.
O julgamento por maioria (houve um voto divergente, por parte do Ministro Alexandre de Moraes), reafirma a jurisprudência da Suprema Corte (vide ADI nº 1571/DF) e impõe uma baliza minimamente segura para que a representação fiscal para fins penais, normalmente utilizada para deflagrar a persecução penal estatal, não seja prematuramente utilizada antes do esgotamento da via administrativa junto aos órgãos especializados em matéria tributária.
Isso, nas palavras do Professor José Luiz Mansur Júnior, constituiria inegável desvirtuamento da referida representação, transformando-a em mecanismo de cobrança coercitiva de tributos, a violar o princípio da intervenção mínima (ou última ratio), segundo o qual o direito penal não deve se sobrepor a outros ramos do direito, assumindo indevido protagonismo.
Vivenciamos cotidianamente verdadeiro clima de beligerância entre contribuinte e Fisco, sendo indiscutível que há problemas de ambas as partes. De um lado, não raras vezes o Estado atua de maneira arbitraria, materializando uma ânsia arrecadatória completamente absurda. De outro lado, o contribuinte, também não raras vezes, adota artifícios ilegais para escapar da tributação (e aqui não se fala em planejamento tributário, esse essencial para a sobrevivência do setor privado).
Diante desse contexto, parece óbvio que, apesar de tentador, seria completamente absurda a utilização de mecanismos intimidatórios de persecução penal antecipada com a finalidade de dar eficiência à cobrança de tributos. “O sistema de cobrança tributária, consubstanciado em um modelo falido de execuções fiscais, não consegue dar resultados minimamente eficientes. Eis um fato! Porém, isso não pode servir de condicionante para ampliar a atuação dos órgãos de persecução penal como auxiliares do Estado no que tange à arrecadação de tributos”, explica o advogado e professor Bruno Bastos de Oliveira.
Deixar o Direito Penal a uma distância segura da administração tributária nos parece bastante razoável, de modo que esta última não caia na tentação de utilizá-lo como mecanismo de cobrança. Resistir à tentação é sempre muito difícil!
Bruno Bastos de Oliveira
Advogado e Consultor Fiscal. Doutor em Direito Econômico e Professor do Mestrado e Doutorado em Direito da UNIMAR.
José Luiz Mansur Junior
Advogado Criminalista. Doutorando em Direito na UNIMAR e Professor de Direito Penal e Processual Penal na graduação da instituição e em diversos cursos de pós-graduação.