Saúde

Psiquiatras estudam o 'comportamento de manada' no cérebro humano

Psiquiatras estudam o 'comportamento de manada' no cérebro humano
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Um fenômeno que há muito tempo atrai o interesse de cientistas, o chamado “comportamento de manada” tem entrado mais recentemente no foco de médicos, por ter implicações de saúde pública e sociais.

Psiquiatras, psicólogos e neurocientistas estão avançando no entendimento daquilo que eles consideram ser um comportamento contagioso, nos quais as pessoas tendem a imitar as outras por sugestionamento.

Em um congresso internacional da área em Gramado (RS), no início do mês, uma das sessões apresentadas se dedicou a esse tema, reunindo dois psiquiatras clínicos e dois cientistas.

Casos de linchamento, em que pessoas são impelidas umas pelas outras a participar de atos de agressão, ou até o aumento na taxa de suicídios após notícias de celebridades que se matam, chamam a atenção, mas são difíceis de estudar na prática.

Um fenômeno semelhante, porém, foi objeto de estudo de Jair Mari, professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Em colaboração com a colega moçambicana Lídia Gouveia, ele estudou um fenômeno ocorrido em Maputo na década passada: uma epidemia de desmaios em uma escola feminina da cidade.

Durante um período iniciado em 2010 por várias vezes as estudantes do colégio entravam em catarse e desmaiavam, como resposta a ansiedade provocada por um boato.

Quando se espalhou o rumor de que o colégio havia sido construído sobre um cemitério, várias tinham crises que as levavam a perder consciência, às vezes tendo convulsões.

Num estudo ainda inédito que os cientistas submeteram recentemente para publicação, eles traçam o perfil das meninas que tinham mais propensão a se deixar afetar por essa crise, que tinha um claro componente de influência social.

Fatores como personalidade extrovertida (aferida por questionários) e até a ausência de relação afetiva tornavam algumas das meninas mais propensa.  Segundo Mari, a avaliação clínica das estudantes foi importante para ajudar a dar suporte a elas.

“Quando isso acontece, nós temos que fazer alguma coisa para não deixá-las apenas nas mãos dos xamãs e dos curandeiros. Essas meninas precisam de cuidado psicológico”, diz.

Segundo o psiquiatra, porém, como a crença em espíritos é componente da cultura religiosa local, é preciso cuidado e empatia.

“Você tem que ter tolerância, respeito, e tem que lidar com a situação de uma forma que leve a pessoa a concluir que aquilo não era plausível. Nós nunca entramos lá de maneira brusca dizendo, que nós iríamos cuidar da situação sozinhos. Os xamãs entravam lá, benziam o local, e nós fazíamos o nosso trabalho.”

A chance para trabalhar com o caso, conta Mari, surgiu porque o Brasil e os EUA participam de um programa conjunto para qualificação de psiquiatras em Moçambique. Como casos desse tipo são raros, foi uma oportunidade única.

Janelas quebradas

Na psicologia experimental, um dos cientistas que têm se preocupado com a questão de como as pessoas se deixam influenciar pelo comportamento das outras é Kees Keizer, da Universidade de Groningen (Holanda).

O cientista holandês tem feito nos últimos anos experimentos para testar o grau de sugestionabilidade das pessoas.

Sua ideia é testar cientificamente a chamada “teoria das janelas quebradas”, segundo a qual pessoas tendem a desrespeitar regras com mais facilidade em locais onde parece haver mais desordem e violação de normas.

Um bairro com janelas quebradas foi o exemplo usado em 1982 pelo criminologista George Kelling, proponente da teoria.

Alguns dos experimentos de Keizer parecem pegadinhas de programas de humor baratos da TV, apesar de serem controlados por uma metodologia rigorosa.

Em um deles, o cientista colocava uma nota de € 5 dentro de um envelope semitransparente e o encaixava na boca de uma caixa de correio, deixando um pedaço visível para fora. A ideia era ver se os transeuntes que se deparassem com aquilo iriam pegar o envelope para si ou fazer a boa ação de terminar de inseri-lo na caixa de correio.

Após medir as reações de algumas centenas de pessoas, o psicólogo viu que apenas 13% delas furtavam o envelope. O cientista passou então a espalhar lixo pelo chão, para ver se a reação das pessoas mudava. E mudou: com a rua emporcalhada, a taxa de furto do envelope aumentou para 25%.

O resultado do trabalho é de interesse para formuladores de política pública, claro, mas Keizer afirma que psicólogos precisam levar em conta que o comportamento das pessoas é muito mais impelido por fatores subjetivos do que se costuma reconhecer, para o bem ou para o mal.

“Uma das nossas conclusões é que o nível de cuidado que você dedica para fazer cumprir uma determinada norma impacta a probabilidade de obediência a outras normas também”, diz o cientista.

Estudos em neurobiologia

Mari mostra interesse em estudar também fenômenos como atos coletivos de agressão. O pesquisador cita como episódio emblemático o caso de linchamento de uma dona de casa no Guarujá (SP) em 2014, quando moradores do bairro de Morrinhos se convenceram de que a mulher sequestrava crianças na vizinhança.

Os cientistas reconhecem que ainda não conseguem enxergar muito bem uma brecha para intervir nesse tipo de caso, mas o interesse em entender os mecanismos que levam ao comportamento de manada já são objeto de estudo também no campo da neurobiologia.

Outro pesquisador que palestrou no congresso em Gramado foi o russo Vasily Klucharev, da Universidade de Amsterdam. Usando técnicas de imageamento cerebral, como sequências de ressonância magnética, ele busca entender quais regiões do cérebro estão ativas quando uma pessoa expressa conformidade com uma opinião.

Ao mapear a operação desse fenômeno no cérebro, ele enxergou que o ato de estar em conformidade com seu grupo ativa circuitos controlados pelo neurotransmissor dopamina, que ativa sensações mais primitivas de prazer, atuando como em um condicionamento comportamental de estímulo e recompensa.

Esse mecanismo pode ser explorado para o bem e para o mal, diz o pesquisador, especialmente no contexto em que o comportamento das pessoas se dá numa interação complexa com o ambiente virtual, onde é mais difícil de prever.

“É importante levar em conta que a conformidade com as normas sociais é particularmente preocupante num ambiente em transformação, quando a maioria das pessoas ainda não sabe muito bem como se comportar. Nesse contexto, essa tendência de se conformar a maioria pode ser perigosa”, afirma Klucharev.

Fonte: IG SAÚDE