Pré-candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro esteve em média, nos últimos três meses, em um evento evangélico por semana. A maior presença do titular do Palácio do Planalto em cerimônias ou encontros desse segmento religioso coincide com a melhora de seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto nesse estrato — um dos únicos em que ele aparece à frente do ex-presidente Lula. O petista, por sua vez, não participou de nenhum ato público com evangélicos este ano. Esse segmento representa 31% da população, segundo pesquisa Datafolha de 2019.
No último fim de semana, as duas maiores capitais do Brasil foram palco de eventos evangélicos que arrastaram multidões de fiéis: a Marcha Para Jesus, em São Paulo, e a Grande Concentração de Fé, no Rio. Além das orações e louvores, os dois atos religiosos tiveram em comum a presença de pré-candidatos de centro e de direita — da presidenciável do MDB, Simone Tebet, a Bolsonaro — e a ausência de políticos de esquerda. Amanhã, Bolsonaro deve participar de mais uma edição da Marcha para Jesus, em Fortaleza.
Apesar de acenos a igrejas e da busca de diálogo com pastores, pré-candidatos de esquerda têm ficado de fora de grandes agendas públicas de evangélicos. Com a direita avançando sobre este segmento — principalmente nas vertentes neopentecostais — eles temem ser hostilizados nesses espaços. Além disso, defendem que as agendas com esse público sejam de teor civil, com debate de propostas, e não em atos voltados à manifestação religiosa, como a Marcha Para Jesus.
Na última pesquisa Datafolha, divulgada no fim de junho, Lula lidera a disputa presidencial, com 47%, seguido de Bolsonaro, com 28%. Entre os evangélicos, o atual presidente lidera e se distanciou do petista, a ponto de deixar o empate técnico. O atual presidente tem entre eles 40%, ante 35% de Lula. Em maio, os percentuais eram 39% e 36%. E em março, 37% a 34%. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Pautas sensíveis
Além da intensificação da agenda voltada para esse segmento, a ampliação da vantagem de Bolsonaro entre os evangélicos coincide com ofensiva feita por lideranças desse segmento religioso contra o petista, após ter defendido, no início de abril, a descriminalização do aborto, por uma questão de saúde pública.
Bolsonaro costuma usar esses eventos para mobilizar o eleitorado conservador, incitando o medo de que pautas de esquerda sejam implementadas. Na quarta-feira, em discurso em evento da Assembleia de Deus, em Imperatriz (MA), o presidente atacou a população LGBTQIA+, afirmando que “menino é menino e menina é menina”.
No último sábado, em cima do trio elétrico na Marcha para Jesus em São Paulo, o presidente disse que os cristãos “são a maioria do país, a maioria do bem, que vencerá outra vez o mal” e pediu para que o povo não “experimente as dores do socialismo”.
Diante da hostilidade de lideranças evangélicas como o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a pré-campanha de Lula vem focando em criar pontes com pastores de pequenas igrejas e abrir canais diretos com os fiéis, apostando principalmente em propostas para a melhoria da economia e o combate à pobreza.
A equipe de Lula quer criar comitês em todos os estados do país voltados para esse eleitorado. Em outra ponta, o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, ligado à Assembleia de Deus no Brasil, vem se apresentando como emissário para dialogar com evangélicos “com os quais o PT não fala”. Ele tem organizado grupos de pastores para reuniões políticas para “desmistificar” as posições de Lula e ressaltar os atos dos governos petistas que beneficiaram as igrejas e o público evangélico.
Ambiente hostil
Na pré-campanha de Ciro Gomes, o presidente do Movimento Cristão Trabalhista do PDT, pastor Alexandre Gonçalves, é um dos principais interlocutores com os evangélicos. Ele se opõe à participação de políticos nesses eventos argumentando que seria “antiético” usar um ato voltado ao culto religioso como palanque político — apesar de reconhecer que eleitoralmente seria estratégico ocupar esses espaços.
Ele afirma que eventos como a Marcha Para Jesus, fundada pelo pastor Estevam Hernandes, apoiador de Bolsonaro, acabaram sendo apropriados pela direita e se tornando ambientes hostis à esquerda:
“A edição em Balneário Camboriú (SC), por exemplo, não era uma marcha para evangélicos, era praticamente uma marcha de apoiadores ferozes de Bolsonaro. Se o Ciro fosse ali, o Lula, ou qualquer um de esquerda, corria o risco até de ser agredido.”
De acordo com os organizadores da Marcha, apenas autoridades do Executivo — prefeitos, governadores e presidente — recebem convites e têm espaço para discursar. Segundo o evento, outros políticos podem participar por iniciativa própria e”são bem recebidos”, mas não têm espaço para se manifestar no palco e trios. A organização diz que não faz distinção ideológica ou política.
“Os presidentes anteriores, por exemplo, Temer, Dilma, Lula, todos foram convidados, mas não compareceram”, disse, por meio de nota, a organização da Marcha Para Jesus.
Segundo o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Entre a religião e o lulismo”, Vinicius do Valle, a ausência desses políticos nesses atos é resultante da dificuldade de diálogo e inserção da esquerda principalmente nas denominações pentecostais.
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