Entro no banheiro, tiro a roupa, ligo o chuveiro, ajusto a temperatura e entro debaixo da água.
Sinto as gotas, que se agrupam e parecem um único fluxo, cair sobre o meu rosto e decido ali, naquele momento, fazer um pacto comigo mesma.
Tempos atrás, quando ainda andava de ônibus, utilizava o trajeto para me resolver, ter altos diálogos.
Como enjoo ao ler ou mexer em celular dentro de ônibus e carros, esses momentos sempre foram de reflexão.
Antes do adoecimento de minha mãe fazia caminhadas e utilizava o tempo para me resolver.
Diálogos internos grandiosos e intermitentes.
Atualmente, com os cuidados com a minha mãe, trabalho, casa, tenho pouco tempo para momentos de introspecção e de autoescuta.
Utilizo as viagens de carro que faço até o trabalho, sim, se você me ver movimentando lábios e mãos, enquanto dirijo, não estou cantando uma música da Mariah Carey.
Pode até ser que um dia ou outro esteja cantando, mas geralmente estou negociando comigo mesma.
Chuveiro virou um altar onde coloco as inquietações, os choros (há momentos em que não temos o “lugar de choro”), dúvidas, medos.
No meu caso, o amor-próprio.
Dia desses, depois de um dia exaustivo de trabalho, fora e dentro de casa, aproveitei enquanto a água caia para fazer reconciliação comigo mesma.
Além de todo cuidado ao lavar meu rosto e cabelo, decidi me tratar com carinho.
Decidi não me cobrar além do que a vida, por sua forma e resolução, já fazem.
Resolvi renunciar a credos e possíveis certezas que só aumentam o peso da caminhada.
Olhei para trás e tive a certeza que o passado foi bom, gostoso, mas que por mais que eu tente, me esforce, ele ficará lá.
Que a saudade não escolhe hora para visita, às vezes chega às seis da manhã ou te acorda às duas e quarenta e três da madrugada.
Mas que, embora seja uma visita que lembra do tempo bom, ela não traz ele de volta.
Percebi que gosto da solidão, gosto de minha companhia e que aceito uma visita ou outra, mas não quero que ninguém faça morada.
Me dei conta de que nos últimos dois anos e meio pulei dos trinta e oito anos para os cinquenta sem o mínimo esforço.
Que os cuidados que me dou e permito, tais quais, uma hidratação na pele, uma maquiagem, uma depilação, um perfume para dormir, são exclusivos para mim mesma.
Leio, assisto, ouço o que me apraz e que tem alimentado meu espírito e alma.
Notei que a vida não precisa fazer sentido algum.
Pode não existir um deus, uma pós-vida, e nem uma razão para a dor e sofrimento.
Mas que independente de tudo isso, ela acabará e nada do que sinto e digo terá a menor importância.
Olhei atenta a minha insignificância significante, pois, embora seja só mais uma neste mundo vasto mundo.
Transformo a vida de algumas pessoas em meu entorno com toques, palavras, gestos.
Da infância para a juventude e posteriormente amadurecimento e velhice existe uma abertura constante de várias cortinas entrepostas.
Vão se abrindo e revelando o seco da vida.
Vi que talvez sobre alguns amigos, ou não, mas que não devemos parar por isso.
Decidi gostar do meu canto, do meu desarrumado, como diz a música da Danni Carlos que meu amigo Rafael sempre me envia dizendo, “acho sua cara”.
Fiz a resolução de aceitar meu corpo com todas as características e todos os sinais da juventude que estão indo embora.
Assim como meu rosto e a decadência do colágeno e os sinais visíveis que deixam.
Fiz um pacto de respeito a minha história, minhas lutas, dores, amores.
Sentia a água tocar minha pele e sensibilizar a minha alma.
Cheguei a conclusão de que não sei, ainda, qual caminho estou traçando e que, provavelmente, não saberei.
No entanto, ao longo desse período, dessa troca gasosa, me aproveitarei um pouco mais.
Não posso e não consigo fugir de mim, e naquele dia, diante do meu altar e oráculo particular, fiz as pazes comigo mesma.
Aceitei a minha história, a da minha mãe e das mulheres que vieram antes delas.
E ali diante do meu confessionário revelei que respeito toda minha história, mas que não ficarei presa a ela.
Que me proponho uma nova rota de carinho e aconchego.
Saí do banho limpa das sujeiras do dia que se acumularam em meu corpo e daquelas que estavam entranhadas em minha alma.
Ali fiz meu pacto, não com sangue, mas com água.