Mulher

Claudia Campolina: Conheça uma distopia onde mulheres oprimem homens

FreePik Mundo invertido traz mulheres simulando falas masculinas
FreePik Mundo invertido traz mulheres simulando falas masculinas
 

Há pouco mais de 2 anos criei a websérie Mundo Invertido, uma distopia onde mulheres oprimem homens. A protagonista é debochada, tóxica e se orgulha de ser femista (femista, não feminista). O sinônimo invertido do machismo é femismo e não feminismo como deturpam alguns. Além de mim, as seguidoras e até seguidores também fingem que são personagens através dos comentários. É uma espécie de multiverso coletivo, o inferno dos machistas.

Aparecem muitos haters em certos vídeos. Como assim você está falando o que a gente fala? Vocês odeiam homens. É que, como dizem as seguidoras, as mesmas coisas que normalizamos ouvir de homens, soam extremamente agressivas quando faladas por mulheres. Eles não suportam se deparar com seus reflexos. São narcisos que, ao se verem refletidos numa mulher, ficam com raiva dela, ao invés de se apaixonarem. Fora que não é fácil ser o alvo da piada e nem ser atacado, mesmo que na ficção. Há pouco tempo, eram só eles quem faziam as piadas.

Alguns ficam dias disparando comentários raivosos e dizendo que meu conteúdo (irônico e satírico) promove misandria. Será que já se perguntaram para que servem as piadas machistas que ainda contam? Quem ri delas, ri por quê? Será que já se perguntaram para que servem as piadas misândricas que conto no Mundo Invertido? Talvez não queiram se perguntar porque teriam que admitir que ambas têm funções opostas, apesar de iguais no conteúdo.

Da mesma forma, não se perguntam porque eu escolho certos temas para fazer a crítica ao machismo. Acho que você está focando muito nas genitálias. Por que você não fala de outras coisas? Tudo seu é pingola (nome debochado que uso para falar do pênis). Recebi um comentário mais ou menos assim de um admirador da Websérie outro dia.

Eu entendo a crítica pois ela parte de uma premissa verdadeira, mas acho que ela também é, em algum grau, um jeito refinado de dizer “isso é falta de um pênis”. Os haters costumam ser mais diretos. Pena que não percebem que a pingola é central na websérie pelo óbvio: o falocentrismo.

Não girasse tudo em volta dela, não estariam homens cismados que o que me move a escrever a websérie, a receber tantos ataques e até a colocar a minha integridade física em risco, seria algo tão simples de ser sanado quanto a falta de um pênis.

Chamam a gente de fácil, mas não somos nós as fáceis. Nós vamos quando queremos, muitos homens não. O mesmo patriarcado que os privilegia, também os prejudica. Homens não podem falar não. A pingola tem que “comer” tudo. Você é viado? Como assim você não quis? Macho não nega fogo, tem que dar no couro.

Sinto muito que homens tenham que ser servos não dos seus desejos, mas dos desejos que são obrigados a ter só por serem machos. Por isso, não existem mulheres sofrendo pela falta de um pênis. Pela falta de orgasmo com homem é provável, mas pela falta de um pênis, não tem.

Uma outra vez, essa mesma crítica veio de um homem trans. Aí, me tocou, confesso. Tocou porque partiu de uma preocupação justa que também é minha: a de não associar tudo a genitália porque isso pode promover ainda mais a equivocada ideia de que o gênero está associado a ela.

Entretanto, é preciso entender que o Mundo Invertido é cisgênero e heteronormativo. A personagem é binária, é uma vilã que foca na genitália para construir um equivalente inverso do patriarcado, ou seja, um matriarcado vaginocêntrico.

Se é o pênis o que mais afeta, principalmente, os mais machistas, como provocá-los sem falar dele? São mais de 200 vídeos da websérie e os que atraem haters são sempre os que questiono o pênis. Quando a personagem chama a pingola de brocha, de gasta, ou de mini me atacam de forma sórdida, já o mesmo não acontece quando ela alega que a violência é inata ao homem.

A virilidade no machista só é plena quando a violência coexiste com a potência do pênis. Ambas são celebradas. Ambas são os motores das mais absurdas formas de opressão e ódio. Por isso, não é difícil imaginar que, se eu fizesse um vídeo dizendo que homens são mansos, eu receberia o mesmo ódio.

Não há tragédia maior para um machista: ser manso e brocha.

O pênis no patriarcado é irmão da violência e eles juntos são os pais fundadores do machismo estrutural. É de família. O pênis no patriarcado é o calcanhar do machista, a ferida. Ferida que vendem como fonte inesgotável de sucesso. Os obeliscos estão aí para provar. O patriarcado é muito bom em dizer que é potência o que é uma fonte de insegurança. Propaganda enganosa.

Quando a gente lembra que milhares de pessoas gritaram imbroxável para o ex-Presidente do Brasil no dia da nossa independência ou quando um senador posta uma foto de sunga comparando o seu pênis com o pênis do Ministro da Justiça, como ocorreu há poucos dias, fica claro o porquê do pênis ser tema central no Mundo Invertido.

É tudo sobre o pênis, não o pênis avulso, mas o pênis da estrutura patriarcal, o pênis do machista, o pênis que motiva disputas de poder, guerras, estupros e assassinatos há milênios. É o símbolo, não o órgão.

Duas das séries mais bem faladas no momento “pecam” pela mesma razão. Tanto em White Lótus 2, quanto em Succession, o que move ou paralisa os personagens é a pingola. São séries mais sofisticadas, mas o falo é o elemento comum com o Mundo Invertido. Ele está lá como pano de fundo, como coadjuvante ou como protagonista, só não vê quem não quer.

Outro dia ouvi que o poder é o sexo dos velhos. E não é que é mesmo para tantos homens poderosos ou para todos os outros que desejam ser? O poder é um dos substitutos desse órgão que eles não conseguem controlar. Assim como são as armas ou carrões importados ou obeliscos.

Eu prometo parar de falar do pênis, quando o mundo parar de girar em torno dele. Nesse dia o Mundo Invertido também não será mais necessário.

Até lá, seguirei dando vida a personagem, em breve, não só na internet, como no teatro. Estou escrevendo, em parceria com a Rafaela Azevedo, a peça do Mundo Invertido. A gente vai poder mergulhar nessa distopia para se vingar, rir e provar que toda forma de dominação não passa de uma maneira eficaz de um ser humano subjugar o outro através de uma mentira bem contada e amparada por pseudo lógicas e justificativas.

No caso do machismo, uma dominação construída em cima de algo tão frágil quanto a pingola.

Como diz o bordão da minha personagem: espero ter ajudado!

Fonte: Mulher