Quando o teaser oficial do live-action da Barbie foi divulgado, a internet foi à loucura com a cena em que a personagem tira o salto alto e continua na ponta dos pés — uma clara referência à boneca original. O filme, dirigido por Greta Gerwig e estrelado por Margot Robbie, estreia no Brasil no próximo dia 20 e tem de tudo para ser um dos maiores sucessos de bilheteria dos últimos anos.
Todos os detalhes foram milimetricamente pensados para que tudo na “Barbieland” parecesse um brinquedo. O Corvette da Barbie não é um conversível qualquer, na verdade, se você colocá-la no carro, vai ver que ele é muito pequeno para caber a boneca. Barbie não usa escadas, apesar de tê-las em casa. Em vez disso, ela sobe e desce de andar flutuando — assim como nas brincadeiras de criança. E claro, não existe água na Barbieland.
A empolgação do público mostra que essas estratégias funcionaram. Mas, embora possamos supor que as memórias da infância expliquem o sucesso do live-action, na verdade, apenas 24,4% dos entusiastas citam a nostalgia como motivação para assistir ao lançamento, revela uma pesquisa do site americano Film Threat. Em vez disso, 30,2% dos entrevistados apontaram a protagonista, Margot Robbie, como motivo da empolgação.
“Quando a Barbie foi lançada, ela virou uma febre imediata porque era completamente diferente das outras bonecas da época – que eram basicamente bebês de brinquedo. A Barbie era uma boneca adulta, e isso revolucionou a industria na época. É o que o filme está fazendo agora: até então, todos os filmes da Barbie eram animações usando a boneca como personagem. Agora, estamos vendo a Barbie passar de brinquedo para uma propriedade intelectual, que também pode gerar conteúdo para adolescentes e adultos, não necessariamente apenas para as crianças”, avalia a cineasta Fernanda Schein.
A própria classificação indicativa (+12) confirma que o filme não é para os pequenos. Segundo a revista Time, uma das razões pelas quais a Mattel resistiu em trazer a boneca para as telonas por tanto tempo é porque a empresa trabalhou duro para modernizar a marca e estabelecer que a Barbie não é só uma.
Apenas oito anos atrás, em 2015, as vendas da Barbie caíram para US$ 900 milhões, a menor em 25 anos. Então, em 2016, a Mattel fez a maior mudança na boneca desde seu lançamento em 1959. Criou um leque amplo de tons de pele e tipos de corpo e cabelo para as bonecas. Funcionou. As vendas da Barbie aumentaram e atingiram um recorde de US$ 1,7 bilhão em 2021, antes de uma pequena queda em todo o setor no ano passado.
“A gente tá tão acostumada a ver as marcas e grandes empresas ditando as tendências sociais, que às vezes esquecemos que se, enquanto sociedade, nós mudarmos nossos hábitos de consumo, as empresas serão obrigadas a se reinventar. No momento que mais pessoas decidiram que não iriam consumir para si ou para seus filhos um brinquedo que não pudesse proporcionar a eles uma representação autêntica, a Barbie sentiu no bolso o quão ineficaz o conservadorismo pode ser”, comenta Fernanda.
Ainda assim, aí está Margot Robbie, branca, magra e loira de olhos azuis, como a Barbie principal do live-action. “O filme tenta manter a identidade conhecida da marca com a Margot, tentando evitar, eu imagino, retaliação sobre uma escolha menos tradicional, porém mantendo a diversidade no restante do elenco — o que, sinceramente, é uma estratégia já batida de Hollywood: a de inovar lateralmente, mas seguir deixando os nomes principais (e o maior cheque) com pessoas brancas. Ainda temos um caminho longo pela frente para reconstruir essas ideias”, afirma a cineasta.
Logo de cara, quando Greta Gerwig, indicada ao Oscar por Lady Bird e Little Women, foi anunciada como a diretora de Barbie, os fãs ficaram ao mesmo tempo confusos e animados. Como uma cineasta mais conhecida por seus filmes reflexivos sobre a vida das mulheres faria para produzir uma narrativa sobre um brinquedo, que não tem vida, e por muito tempo ficou conhecido como fútil?
“Enquanto por um lado as Barbies temáticas (médica, skatista, veterinária etc), traziam para as meninas uma ideia de ‘Eu posso ser o que eu quiser no futuro’, também carregava a ideia implícita de que uma mulher bonita e de sucesso deveria se parecer com a Barbie. Um ideal estético completamente impossível e perigoso, que influenciou negativamente a autoestima de muitas meninas”, aponta Fernanda Schein.
“Eu acredito que o filme da Barbie vai ser cheio de contradições intencionais e vai buscar um equilíbrio entre a nostalgia e a paixão que muitos têm pela marca, assim como vai fazer uma sátira do ‘mundo perfeito’ da Barbie. Como uma mulher de 31 anos que cresceu brincando de Barbie, eu quero sair do cinema com nostalgia da minha infância, mas sem ver reiteradas na tela ideais estéticos e morais ultrapassados, que não conversam mais comigo ou com as mensagens que gostaria de deixar para as próximas gerações”, finaliza ela.
Fonte: Mulher