Mais de 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental ou causado pelo uso de substâncias antes da pandemia. Desse total, mais da metade eram mulheres. Somente no Brasil, 7 em cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão e ansiedade eram do sexo feminino. A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim da crise sanitária em 2023, mas as suas sequelas, sobretudo na saúde mental das mulheres, permanecem.
Para entender como está o bem-estar emocional das brasileiras no pós-pandemia, o estudo “Esgotadas”, divulgado nesta quarta-feira (30) pela ONG Think Olga, decidiu perguntar a elas quais aspectos da vida têm gerado mais sofrimento e insatisfação atualmente e de que forma essas mulheres cuidam da própria saúde mental. A entidade entrevistou 1.078 mulheres, de 18 a 65 anos, em todos os estados do Brasil.
Os resultados assustam, mas não surpreendem: quase metade (45%) das entrevistadas relataram ter recebido um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum outro tipo de transtorno mental. A ansiedade, transtorno mais comum no país, faz parte do dia a dia de 6 em cada 10 mulheres brasileiras. Estresse, insônia, irritabilidade e baixa autoestima também são alguns dos sintomas vivenciados por elas diariamente.
As mulheres chegaram esgotadas em 2020, atravessaram uma das piores crises do século e, mesmo com o seu fim, continuam esgotadas. A situação financeira, as dívidas, a remuneração baixa e a sobrecarga estão entre os fatores que mais impactam negativamente a saúde mental das brasileiras, conforme o relatório.
O que está adoecendo as mulheres
O estudo buscou avaliar o nível de satisfação das brasileiras em diversas áreas da vida e quais delas têm gerado mais sofrimento e impactado sua saúde emocional. Os resultados apontam que elas não estão minimamente satisfeitas em nenhuma área da vida. Os índices de satisfação máxima estão em torno dos 30% e se referem às relações familiares e amorosas.
Inúmeros estudos já identificaram que desvantagens sociais associadas ao gênero feminino, como a maior exposição à violência doméstica e sexual, oportunidades de educação e de emprego limitadas e mais responsabilidades de cuidado, podem contribuir para o aumento do risco de transtornos mentais entre as mulheres. A própria OMS já reconhece a influência das disparidades de gênero no bem-estar emocional.
O medo constante de sofrer violência é citado por 1 em cada 6 (16%) brasileiras como fator de impacto em sua saúde mental. O mapeamento da ONG ainda mostra que a obrigação de corresponder aos padrões de beleza impostos pela sociedade impacta negativamente a saúde mental de 26% das entrevistadas e afeta sobretudo as mulheres mais jovens. Soma-se a isso o fato de que as pessoas do sexo feminino representam 68% dos diagnósticos de transtornos alimentares no país.
Esgotadas pelo racismo e pela pobreza
Mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo todo são mulheres, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). É a chamada “feminização da pobreza”. A pressão e a preocupação em colocar comida na mesa e pagar todas as contas da casa recai sobre elas. No Brasil, as mulheres são as principais ou únicas provedoras em 38% dos lares. A maior parte delas é negra, da classe D ou E e tem mais de 55 anos.
“A questão socioeconômica é uma variável importantíssima quando a gente fala de saúde mental. Quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, maior a vulnerabilidade emocional e vulnerabilidade em saúde mental”, afirma à Think Olga Juliane Callegaro Borsa, psicóloga especialista em saúde mental feminina.
O relatório também indica que 4 em cada 10 mulheres entrevistadas estão insatisfeitas ou muito insatisfeitas com o próprio trabalho. Elas seguem ganhando menos do que os homens e são as mais afetadas pelo desemprego. Uma brasileira recebe, em média, 78% do salário de um brasileiro pelo mesmo trabalho e na mesma função e hierarquia. Já a taxa de desemprego entre pessoas do sexo feminino no Brasil é de 10,8%.
A sobrecarga do cuidado
As mulheres dedicam o dobro de tempo nas tarefas domésticas: são 21,4 horas dedicadas semanalmente, enquanto os homens gastam 11 horas semanais. O trabalho de cuidado envolve: preparar o café da manhã, almoço e jantar, ir ao supermercado, lavar roupas, fazer faxina, cuidar de quem está doente e por aí vai.
Esse cuidado sobrecarrega principalmente as brasileiras de 36 a 55 anos e mulheres pretas e pardas. Além disso, a insatisfação entre mães solo (57%) e cuidadoras (41%) é superior em relação àquelas que não cuidam de ninguém (35%).
As responsabilidades de cuidado também estão relacionadas a níveis mais altos de insatisfação com a situação financeira e o trabalho. Isso porque sobra menos tempo para se dedicar ao trabalho remunerado. Uma mulher sem renda digna tem precarizadas suas condições de vida e suas condições de cuidar. “Precisamos entender que o adoecimento psíquico é também o resultado dessa conta que não fecha e pressiona a saúde mental das mulheres”, pontua o relatório.
“Então a gente aprende isso desde criança. [..] quando ganha bonequinha, quando nos dizem que a gente tem que cuidar da bonequinha, colocar a boneca pra dormir, né? Ou quando essas meninas acabam assumindo, muitas vezes, o cuidado dos irmãos mais novos, ou quando elas são convidadas a cuidar do ajudar a mãe no cuidado da casa, enfim, nos trabalhos domésticos. Enquanto esse menino é estimulado a ajudar o pai fora de casa ou exercer outros papéis que não sejam de cuidar. […]”, diz ainda Juliane Borsa.
“E isso nos coloca nesse lugar de que a gente tem que segurar o rojão o tempo todo. [..] E eu digo uma vez eu falei nasce uma mãe, nasce uma mulher culpada. Mas eu acho que se a gente pensar anterior a isso, nasce uma mulher, nasce uma pessoa culpada, porque a gente tem toda essa expectativa que é colocada sobre a gente. A gente cresce com a missão de dar conta de tudo”, acrescenta ela.
Fonte: Mulher