Freepik – Autor: Obbeyleesin
Freepik – Autor: Obbeyleesin

“(…) O jardim é um vínculo concreto com a vida e a morte. Seria mesmo possível dizer que existe uma religião dos jardins, pois eles nos ensinam profundas lições espirituais e psicológicas. Qualquer coisa que possa acontecer a um jardim pode acontecer à alma e à psique – excesso de água, falta de água, pragas, calor, tempestades, enchentes, invasões, milagres, ressecamento, reverdecimento, bênçãos, cura.

Durante a existência do jardim, a mulher escreve um diário, registrando os sinais de doação de vida e de retirada de vida. Cada registro ajuda a formar uma sopa psíquica. No jardim, adquirimos prática para deixar que pensamentos, ideias, preferências, desejos e até mesmo amores vivam e morram. Plantamos, arrancamos, enterramos. Secamos sementes, fazemos a semeadura, protegemos as plantinhas.

O jardim é uma prática de meditação, a de dizer a hora de alguma coisa morrer. No jardim, podemos ver chegar a hora de desfrutar e a hora da regressão. No jardim, estamos nos movendo de acordo com a inspiração e a expiração da grande natureza selvagem, não contra ela (…)”

Mulheres que correm com os lobos – Clarissa Pinkola Estés
 

A beleza de cultivar em si um jardim de delicadezas, afetos e cuidados, uma arte desafiadora, mas necessária diante da imposição de uma beleza pautada em padrões absurdos, rígidos que vão completamente contra a realidade de cada uma de nós. Desde muito novas a relação com nossos corpos e beleza vai sendo construída através de falta de aceitação e usurpação, não é aceitável sentir-se bem e bonita morando em um corpo que não corresponde aos rígidos e irreais padrões. Essa relação fica ainda mais difícil conforme a idade vai passando, um corpo de 20 anos é diferente de um corpo de 30, 40, 50 e assim por diante, cada fase tem seus sabores e dissabores, suas características próprias, peculiaridades, desejos e movimentações.

Te proponho nesse momento um exercício, se acomode em uma posição confortável, respire com c(alma) e profundamente, de olhos fechados vá trazendo na memória a história com seu corpo, observe, sinta suas singularidades, suas dificuldades e reverberações, observe o que mais influenciou na construção dessa relação, observe também como atualmente essa relação se encontra. Na relação consigo mesma que tipo de jardim você anda cultivando? Teu jardim está bem irrigado ou não? Está acometido por pragas? Tem aspectos mais viçosos? Você tem pisado firme em suas terras, sentindo e observando o que precisa cuidar com mais atenção, o que já anda mais bem resolvido? Tem se dado espaço para simplesmente contemplar teu jardim, agradecendo e honrando a história vivida até aqui, com todas as contradições que inevitavelmente ela possui?

Em uma reportagem para a revista TPM, a psicóloga Núbia Lima aborda o fato de a beleza de uma mulher ser considerada em seu auge quando ela mais se parece com uma criança, apontando a objetificação que meninas e mulheres sofrem para caber em padrões que agradem ao olhar masculino e tais padrões se fundamentam justamente na pornografia e na pedofilia.

O corpo vivencia diversas mudanças que são completamente naturais ao longo do tempo e isso não é motivo para sentir-se inadequada e/ou errada nele, a busca por procedimentos que modifiquem e tornem esse corpo mais jovem tem crescido cada vez mais e muitas vezes essa busca é pautada não por uma insatisfação genuína, mas pela imposição de um padrão que adoece e massacra a autonomia de se sentir linda sendo quem se é, na fase em que está, com o corpo e a pele que se tem.

Reproduzo aqui as palavras da psicóloga Nubia Lima, “seu auge é agora”, é urgente que esses padrões sejam desconstruídos, a beleza é diversa e multifacetada, assim como em um jardim, cada planta tem seu próprio ritmo, cores, tamanhos, ângulos, ciclos, entre outras características, cada uma demanda movimentos diferentes, cada uma tem sua beleza genuína e singular. Proponho que você reflita sobre sua relação com teu corpo, com a tua beleza e busque cultivar em si autonomia e autoamor, celebrando cada fase, cada ciclo vivido.

Reportagem mencionada no texto: @revistatpm; @psinubialima;