“A vida não é para ser útil. Isso é
uma besteira.
A vida é tão maravilhosa que a nossa
mente tenta dar uma utilidade para ela. A vida é fruição. A vida é
uma dança. Só que ela é uma dança cósmica e a gente quer reduzi-la a uma
coreografia ridícula e utilitária, a uma biografia:
alguém nasceu, fez isso, fez aquilo, fundou
uma cidade, inventou o fordismo, fez a
revolução, fez um foguete, foi para o espaço…
Tudo isso, gente, é uma historinha tão ridícula!
A vida é mais do que tudo isso. […] Nós temos
de ter coragem de ser radicalmente vivos. E
não negociar sobrevivência.”
Ailton Krenak
“Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul”.
Manoel de Barros
A vida aqui na terra pode colapsar. Parece um tanto pessimista essa perspectiva, mas observemos com atenção, olhemos em volta. Ailton Krenak, em “O amanhã não está a venda”, questiona se somos realmente uma humanidade. O que de fato significa ser humanidade?
Essa tal humanidade vem devastando, explorando e aprofundando cada vez mais as desigualdades entre povos e sociedades. Muito recentemente vivemos uma das coisas mais inesperadas e assustadoras, a pandemia da Covid-19.
O mundo precisou parar, isolamento social era o determinante, as relações se tornaram mais virtualizadas, distantes de pele, tato, abraço, olhos nos olhos, convivência, fruição. Incertezas, medos, sustos, tudo de repente mudou. O que nos restou foi aceitar e fazer o que era possível para cada um de nós.
O fenomeno da Covid-19 trouxe algo inquestionável: somos meramente humanos, contraditórios e impotentes, não existe controle sobre a vida e sobre muitos acontecimentos.
Nosso modo de vida está em crise, está colapsando e cada vez mais isso se torna evidente. Durante a pandemia a espécie que de fato sentiu e sofreu as terriveis consequencias foi a humana. Citando novamente Ailton Krenak: temos de abandonar o antropocentrismo. Essa ideia de que o ser humano é o centro da vida na terra é equivocada e destrutiva, inclusive para a própria espécie humana.
Carecemos de desaprender para reaprender outros modos de ser e estar nessa terra, nessa vida. Bordar de sentido, dança e significado os dias, não ter “tempo de qualidade”, mas sentir o tempo passarando pela pele, ter tato para acolher o vento, a chuva.
Ter olhos para enxergar as miudezas, as formiguinhas fazendo seu caminho, pássaros atravessando o espaço-tempo, vivenciar a presença no tecer do cotidiano.
Descalçar a pressa e pisar na terra, escutar o silêncio, admitir que a medida que conhecemos algo desconhecemos mais um tanto imenso de coisas. Admitir nossa natural impotencia, assumir que não somos o umbigo do mundo.
Somos, tanto quanto é a árvore, as cigarras e baleias. Apenas e maravilhosamente isso.
O tempo não deveria ser medido em qualidade, como se mede um produto na prateleira do mercado. Tampouco, a vida não deveria ser vivida de forma utilitarista e performática.
Aprendamos com as plantas e com as crianças, a vida é o exato segundo em que se respira, seja trabalhando, seja em casa com os seus, seja no final de semana passeando em algum lugar diferente. Seja em qualquer momento, a vida está acontecendo e o tempo atravessando continuamente.
Te convido a refletir sobre como você tem pisado nessa terra, como tem atravessado seu tempo e o que você poderia desaprender para reaprender a ser mais genuíno.