Surru era um pato; que por engano, ou porque o destino assim o quis, nasceu no galinheiro da cidade invisível.
Surru vivia piando:
” Surru, pia aqui, Surru, pia lá”
Surru não ia às festas promovidas no galinheiro, mas ambicionava fazer as suas próprias festas. Andava pelos cantos, as escondidas e olhava, de longe, as festas promovidas por vários outros. Procurava entender, ou melhor, anotar em blocos de papel, as ideias que iria copiar para então, usar em suas festas.
Surru viu o galo Sr. Véi – locutor oficial do galinheiro – entrar no palco de uma festa tradicional, cambaleando, carregando um rádio antigo onde fingia tentar sintonizar várias emissoras… até chegar ao microfone e anunciar o nome da festa. Surru logo pensou:
“Ah, na minha festa vou colocar só o rádio sintonizando, aí, ninguém vai falar que eu copiei”.
A banda “Galinzés Sinfonic” executava os arranjos feitos pelo Maestro Luizin Von Galin.
Surru, piava de emoção, escondido, falando para si mesmo:
“Vou pegar essa música, vou pegar o final, colocar no começo e o meio no final, ninguém nem vai saber a diferença, ainda mais que tem aquela opção de I.A.”
Surru, que não participava desses coletivos, encontrou outros Surrus, que piavam escondidos, e juntos, montaram seu próprio grupo: “Surru-piando – Arte Popular”. Após isso acontecer, vários outros nichos fragmentados e redundantes nasceram pelo galinheiro da cidade invisível. Ali, na miséria da existência, em meio a disputas de atenção entre eles, buscavam sua chance, seu lugar.
Desses grupos nasceram bolhas, e dentro dessas bolhas, inflavam outras bolhas, sem que as antigas fossem furadas, e foram resumindo, resumindo… e o Surru piava, piava, piava sem nunca saber, se no fundo, era um pinto, um frango ou um pato.