“Diagnóstico de câncer não é sentença de morte”. A frase parece ser uma das lições preferidas da professora Maria Cristina Melges de Rezende Paoliello, 63, que transformou em lição de vida um processo delicado: superar dois casos seguidos de câncer, incluindo períodos complexos de cirurgias, recuperação e repetições de exames em situações delicadas e íntimas.
Postou nas redes sociais fotos de diferentes fases e um vídeo da limpeza de um cateter usado para aplicar medicação. Filha do professor Olímpio Cruz, Maria Cristina é casada há 41 anos com o médico e cirurgião plástico Hélio de Rezende Paoliello, tem dois filhos – Ricardo (médico ) e Flávia (advogada) e quatro netos: Rafael, Lorena, João Orlando e Sophia.
Nascida em Marília, é professora de língua e literatura portuguesa e inglesa pela Unesp, pedagoga formada pela Unimar e contadora de histórias – com cursos e especialização. Foi vice-diretora e diretora em escolas e palestrante para orientação motivacional entre muitas outras atividades.
Enfrentou efeitos colaterais da medicação, a chamada “síndrome pé mão”, que produz, além dos calores pelo corpo todo, inchaço na palma das mãos e plantas dos pés com dores e sensibilidade ao toque. Ao final dos 14 dias de ingestão do medicamento – duas doses diárias a critério do médico – não é possível por os pés ou as mãos no chão. Ela movia-se apoiada nos joelhos e cotovelos.
“Para aliviar, fazia banhos de chá de camomila bem forte. Não tive queda de cabelos nem enjoos, porém muita fadiga, cansaço. Eu, por morar em uma casa sobrado com 15 degraus, às vezes precisava subi-los em três etapas, com pausas.”
GIROMARÍLIA – Como foi à decisão de tornar público, inclusive em vídeo, um momento tão íntimo e delicado como seu exame?
MARIA CRISTINA PAOLIELLO – Tomei esta decisão e continuarei a fazê-lo para animar e orientar aquelas pessoas que precisam deste e outros tratamentos, com finalidade de ajudá-las, eliminando fantasmas e medos.
Tendo vivido a experiência de ter tido um câncer maligno no intestino, descoberto em 2007, fiz a cirurgia retirando um pedaço de aproximadamente 30 cm do “reto-sigmóide” e a seguir quimioterapia.
Após dez meses deste tratamento, com as doses dos comprimidos sendo diminuídos ou não a cada ciclo, em 2008 finalizei o tratamento e foi dado como sucesso e a cura alcançada. Devia eu então fazer os exames recomendados anualmente. Quando realizei os exames um ano depois, em outubro de 2008, estava tudo ótimo. Comemorei minha cura, agradecendo muito a Deus pois inclusive em final de 2007, nasceu minha segunda neta e afinal eu pude viver toda a alegria e emoção, pois já tinha um neto nascido em 2004.
GIROMARÍLIA – Como foi para você a descoberta da doença e o desafio do tratamento?
MCP – Naquele ano de 2007, eu já sabia que em 2008, ao completar 40 anos de trabalho na educação, iria me aposentar. Como tinha nove meses de “licença-prêmio” (a cada cinco anos se o funcionário público estadual que não tem nenhuma falta, ganha o direito a três meses desta licença prêmio) solicitei estas licenças e planejei minha nova vida.
Fiz uma cirurgia plástica de abdômen no primeiro semestre, iniciei a participação em um trabalho voluntário, como palestrante no grupo de contadores de história para crianças com câncer e outros problemas no grupo “Viva e Deixe Viver” e realizei uma viagem acompanhando meu marido.
Estava me preparando para fazer outra cirurgia plástica “de mama”. Estava com 56 anos, me despedindo do trabalho e querendo realizar alguns objetivos e sonhos de ordem estética. Previa a seguir um curso de neurolinguística no Brasil e a seguir nos Estados Unidos.
Durante a viagem em setembro com meu marido ele observou um sangramento em minhas fezes e achou anormal. Ao fazer o exame de videocolonoscopia, tão necessário a todos depois dos 40 anos, constatou-se que estava com um câncer maligno no reto sigmóide e deveria operar imediatamente.
Como reagi ? A princípio queria ainda realizar a cirurgia estética de mama, mas o caso era grave demais para esperar. Quando o médico me informou que eu talvez precisasse de uma “bolsa de colostomia”, até brinquei dizendo que a moda era de bolsas grandes, onde já se viu ele querer me colocar uma bolsa pequena rsrsrs.
Sou muito religiosa, tenho muita espiritualidade e uma fé imensa em Deus, inabalável. Senti-me tranquila porque acima de tudo acredito em um Deus que sempre nos oferece o melhor, que antes eu ter um câncer e correr este risco de vida do que meu marido, meus filhos ou netos. Nem pensar. Só poderia ser comigo, jamais com eles e agradeci a Deus que assim fosse, mas que ele me desse força e orientação.
Então realizei a primeira cirurgia sem medo, agradecendo a Deus por ter a oportunidade de realizar esta cirurgia, por morar em um centro médico e por ter condições para realizá-la. Tudo correu nos conformes e ainda tive a graça e a alegria de não precisar da “bolsa de colostomia”.
Estava pronta para ser uma paciente obediente e a seguir o tratamento necessário, em tudo, “dando graças” a Deus pela coragem e forca que me deu, além de uma alegria enorme por ter mais tempo de vida!
GIROMARÍLIA – De que forma sua experiência pode e deve servir de exemplo para outras mulheres?
MCP – Creio que já serviu para outras mulheres e homens desde o momento em que souberam que eu estava com câncer de intestino. Alertei a todos sobre como descobri o meu e de que deveriam a partir dos 40 anos fazer exame de videocolonoscopia. É preciso que não se pense e uma notícia de câncer como sentença de morte, não se pode ter a síndrome do coitadinho, de vítima.
É momento de sermos esclarecidos e buscarmos esclarecimentos sobre a doença que temos e partir para o ataque, buscar bons médicos e seguir à risca o tratamento, mesmo com seus efeitos colaterais que um dia terminarão. Nada de acovardar, de dar uma de coitadinho. A vida é para ser vivida e é uma luta renhida para todos indistintamente e temos um Deus que nos orienta e ajuda sempre.
Ponto importantíssimo: tive medo, insegurança. Porém a pergunta a ser feita é: para que: silenciar e ouvir a resposta que vem de Deus, no íntimo de nossa alma.
GIROMARÍLIA – Você é uma mulher esclarecida, de formação intelectual. Acredita que pessoas com menos informações teriam mais dificuldade em enfrentar todo o processo?
MCP – Reconheço que o fato de ter o privilégio de ser esclarecida, ter conhecimentos por meu marido ser médico e os meus médicos serem meus amigos particulares funcionou como uma “faca de dois gumes”. O conhecimento pode trazer-nos mais inquietações e até mais receios.
Da mesma forma que pode nos ajudar, dependendo de nossa maneira de encarar os fatos. Acredito que pessoas de menor informação também podem ter reação dupla: primeiro que às vezes a ignorância de certos fatos, certas complicações funcionam como um escudo protetor, mas de outro, as crendices ouvidas, as noções equivocadas podem atrapalhar e muito trazendo medo e até pavor.
O que precisamos é desmistificar a doença câncer. Precisamos propagar a prevenção, o cuidado com o que é nocivo à saúde, a observância e conhecimento do próprio corpo e suas alterações, como sangramentos, caroços, verrugas, alterações estomacais, intestinais, dores.
Não temer o diagnóstico mas agradecer por recebê-lo a tempo de cuidar, de lutar com coragem e perseverança. Ver o lado bom e positivo para a nossa alma, nossa vida pessoal e familiar. E tudo isso independe de intelectualidade, posição social ou financeira.
GIROMARILIA – Como acha que as pessoas poderiam ter mais acesso a informações, prevenção, cuidados durante e pós-tratamento?
MCP – O acesso a informações, prevenções e cuidados devem ser mais comentados nas redes sociais, nas mídias sempre e não só em campanhas. É incrível o número de pessoas que passou e passa por isso e esconde de parentes e amigos. Não pode. Não ficar nos perguntando por que, por que eu? Por que fulano? Sair deste mundo pequeno para um maior com visão de humanidade de globalidade.
É dizer tudo bem, é um duro golpe, inesperado, mas ao invés de lamuriar e queixar, vou lutar, buscar recursos, enfrentar! É preciso falar sobre o câncer sem ser aos sussurros, sem mistificar e com muita, mas muita verdade!
GIROMARÍLIA – Você tem envolvimento em projetos da comunidade. Seu tratamento influenciou sua postura em relação à comunidade?
MCP – Desde menina fui uma pessoa ativa, comunicativa e disposta a participar, a colaborar com as causas sociais. Estive e estou sempre engajada em atividades sociais. Cabe aqui retornar ao que ocorreu com minha segunda descoberta de um novo câncer. Foi durante os exames anuais de 2009, segundo ano após a primeira cirurgia, em outubro.
Durante o exame de ultrassom do abdômen com contraste, descobriram que algo obstruía a passagem do contraste, comprometimento do meu rim esquerdo. Mais alguns exames e verificou-se que havia metástases no abdômen. Imediatamente fui para esta cirurgia que constatou que o câncer saíra do intestino e estava “tomando o abdômen, envolvendo vários órgãos”.
Importante: eu nada sentia, estava apenas realizando exame de rotina. Resumindo fui o quanto antes para uma cirurgia que durou nove horas, extremamente complicada devido ao avanço do câncer em vários órgãos, necessidade de manobras e uma “grande limpeza”, com perda de nove litros de sangue, repostos graças aos “anjos doadores”.
A complicação levou-me a perder a veia ilíaca da perna esquerda o que fez com que ficasse três dias ou mais entre a vida e a morte, semanas na UTI e hospital. Voltei para casa debilitada, sem poder andar, usando cadeira de todas e ficando com enfermagem por 24 horas e por mais de um mês.
Na cirurgia colocaram-me o “porto cat”, um cateter no peito que facilita ‘pegar a veia´ para aplicação de medicamentos e quimioterápicos. Estou com ele há cinco anos e vou mensalmente à oncoclínica fazer limpeza do mesmo, conforme postei no vídeo que gravei. Realizei, logo que saí do hospital 34 aplicações de radioterapias no abdômen. Imediatamente a seguir fiz quimioterapias com três quimioterápicos, via “portocat “.
Como estou sempre animada e otimista, a enfermeira que de mim cuidava pedia-me que ligasse a outros pacientes para animá-los e a convencê-los a implantar o portocat, por sua grande utilidade. Foi o que fiz, conversando e animando muitos amigos.
Um dia tive ideia de gravar o processo de limpeza e postar no meu facebook como “utilidade pública” para mostrar sua simplicidade e tratamento indolor. Surgiram daí os vídeos e fotos minhas com o intuito de ajudar pessoas que necessitem e que vejam como é simples e útil. Postei tempos atrás fotos minhas usando o quimioterápico 5-fluorouracil, usado através de uma bomba de injeção, conectada ao corpo por três dias.
Postei também fotos minhas usando máscara por 24 horas dia por conta de baixa imunidade por que passei, frequentando festas familiares e reuniões com amigas em restaurantes. Fiz e farei isto sempre que preciso para mostrar a importância do tratamento levado a sério.
Resumindo: quero mais e mais colaborar com a sociedade, através de minha experiência de vida, utilizando minha alegria de viver, meus exemplos e testemunhos de vida e experiência, usando a comunicabilidade que me é nata e presente de Deus!
GIROMARILIA – Agora que suas informações são inspiração a outras pessoas, pretende transformar isso em algum projeto maior como um site ou livro ou outras publicações nas redes sociais?
MCP – Sinceramente, nem pensei em projetos. Pretendo continuar a ser útil às pessoas através de meu exemplo de vida, partilhar minhas experiências e conhecimentos! No momento meus projetos são continuar ajudando a muitos através de minhas fotos, vídeos e portagens nas mídias. Por enquanto não tenho projetos a não ser difundir o bom e o bem, convivendo e patrulhando coisas boas com esse nosso povo, prestando serviços relevantes para a sociedade e o bem comum.