Silêncio

O título seria ‘O dia do silêncio’, mas, me apareceu o rosto sábio e incisivo do Zé Rubem e, usando aquelas palavras obscenas que ele sempre usou na sua literatura, me mandou cortar tudo o que não deveria encher o saco do leitor: ‘Corte “O dia do’ e intitule esta m… de silêncio!”. Zé Rubem tinha razão, afinal, no alto dos seus 94 anos e escrevendo desde que se conhecia por gente, sabia como ninguém que excesso é excesso e leitura requer praticidade.

Nestes dias de quarentena, o Zé Rubem apareceu de novo para mim. Mas na voz do Eric Nepomuceno. ‘Quando saí da redação’, contou Nepomuceno, ‘o Zé Rubem me ligou: Você terá que ter disciplina agora, não pense que ficar em casa é férias!’.

Eric Nepomuceno, pelo que contava na oportunidade, dizia do tempo que decidiu se dedicar integralmente à literatura e optou por deixar o emprego que tinha em jornal diário. Sem a pressão do deadline e nem do editor-chefe, o autor isolado tende a divagar. ‘Sem divagações na quarentena FDP!’, era o Zé Rubem da minha cachola.

Ele sempre existiu assim, feito um editor-chefe em entidade espiritual. ‘Agosto’, quando li, foi algo incrível. ‘A grande arte’, então, sem comentários. ‘O selvagem da ópera’, que quando retirei na biblioteca achei que fosse um serial killer que atacava os frequentadores do teatro de ópera de Manaus, era, na verdade, a biografia do maestro Carlos Gomes. Domingo de Páscoa, conversando com um amigo, ele revela uma certa ojeriza por determinado comportamento social.

Na hora, me salta à mente um personagem do Zé Rubem: o cara que pegou a Bíblia do pai e fez coisas que, desculpem, realmente não quero reproduzir, mas está em ‘Agosto’. Na adolescência, conheci a obra de Rubem Fonseca através de ‘O caso Morel’. “Um pantera negra quando preso fazia mil flexões”.  Está no livro, o romance é bom, instigante e muito cativante.

‘Lúcia McCartney’ e aí descubro que Rubem Fonseca é fã dos Beatles. Na época que li, não tinha ouvido para o quarteto de Liverpool, mas agora, passando dos 40, até que gosto um bocado daqueles cabeludos. Mais tarde, o ataque que o Roberto Bolaños – o escritor chileno e não o eterno Chaves, não confundam – fez ao Zé Rubem.

Enfim, também não quero reproduzir, estão nos livros. E é bom que fique lá. Rubem Fonseca é um monstro sagrado da Literatura em Língua Portuguesa. Nos deixou no meio desta distopia da covid-19.

Não gostava de eventos públicos, evitava falar com os colegas jornalistas, lia um livro por dia, assistia a três filmes diários, gostava de mulheres (e como gostava), parece que não bebia álcool e só tomava Coca-Cola quente. Certa vez deu uma palestra para os trabalhadores da limpeza pública do Rio de Janeiro.

Revelou alguns novos talentos da literatura brasileira, entre eles a nossa ‘conterrânea’ – é aqui de Assis, a 80 quilômetros de nossa Marília – Patrícia Mello. Datas assim são datas do silêncio. Se juntou ao Ariano Suassuna, ao José Saramago e ao colombiano Gabriel Garcia Márquez.