São inúmeras e relevantes as contribuições do Filósofo Michel Foucault para se entender as relações de poder entre as instituições da sociedade hodierna e suas implicações em diversas esferas de cunho educacional e social, relações de poder que se encontram em meio a uma grande lacuna passível de manipulação ou libertação, seja por uma política pública, seja por interesse de grupos sutilmente escondidos nos discursos e ideologias, mas que na realidade se colocam muito distante de interesses em prol de uma sociedade justa e solidária, ou ao menos igualitária quando se nota as exigências de um sistema produtivo capitalista que se utiliza da produção em larga escala como é o papel das indústrias e demais instituições sociais em geral.
Há uma forma de rigoroso controle por parte das instituições em geral que chamaremos nesse presente artigo de dialética ou discurso, pois o quão cativante se torna o mundo da linguagem utilizada por elas sistematicamente na medida em que se admite um entrelaçamento entre a política e a sexualidade na visão de Michel Foucault, uma relação de poder capaz de exorcizar o cidadão do século XXI que vive em uma sociedade organizada e redistribuída por procedimentos que chamaremos aqui de dispositivos de segurança, instrumentos de controle capazes de disfarçar a nossa temível materialidade disputada e de esconder ou fazer cair no desconhecimento as várias formas de desigualdade social por meio de instrumentos e dispositivos de segurança e seus aparatos técnicos ilusórios que utiliza de estatística enganosa manipuladora.
O desejo e o poder que sutilmente se percebe pelo discurso das instituições costuma rotineiramente se apresentar como necessário e natural, como se as pessoas estivessem totalmente amparadas por ele para que se protejam de um futuro próximo de desigualdade não almejado.
É comum olhar um simples comercial de televisão ou realizar um simples passeio no shopping para se perceber que a sociedade atual foi capaz de criar seu próprio modelo de felicidade de maneira rápida, objetiva e mutável pelo desejo de posse, porém nota-se nossos cidadãos e jovens estudantes atropelados pelo futuro incerto e submetidos ao niilismo político, à falta de expectativa diante das crises que talvez foram também programadas e da perda de identidade, num momento social em que até mesmo a educação se encontra sucateada e sistematizada pelo discurso de poder que concebe o educando somente como um futuro produtor, como se nossos alunos e cidadãos fossem felizes somente pelo fato de serem capazes de consumir e futuro geradores de riquezas, o que na verdade não passa de uma ideologia dominante com um discurso que se passa sutilmente por natural se tornando um fator dominante em uma sociedade niilista.
O discurso de verdade foi concebido historicamente como verdadeiro para que alcançasse seus fins econômicos, segundo Michel Foucault o discurso foi distribuído para as instituições e é propagado como algo natural, verossímil, sincero e também científico. É um discurso de verdade que está presente nas práticas econômicas por meio de códigos e receitas, moralidades racionalizadas e justificativas baseadas numa teoria de riqueza e de produção, enfim, esse discurso de verdade se tornou a base para que a massa se submeta à lei representada pela confiança na autoridade sustentada pelo discurso necessariamente propagado como verdadeiro.
Há necessidade de não se conceber o autor de determinado discurso como um vilão, até mesmo porque há um princípio ou fundamento que utiliza dos discursos como instrumento de justificação das coisas, até mesmo porque existe em nossa sociedade uma vasta massa repetidora ou reprodutoras de discursos que nem sequer imagina que o objetivo é disciplinar e manipular com um fim puramente técnico ligado ao sistema de produção capitalista.
Um modelo exemplar no caso de um comercial de televisão é quando na venda de um produto, o comercial foi programado para mostrar ao espectador que a necessidade de consumir aquele produto é como uma descoberta natural, e que a vida terá sentido somente através do consumo daquele produto almejado no comercial de televisão. A propaganda faz apelos emocionais, religiosos, históricos, heroicos e familiares com uma música programada, sentimentos de paz mundial, segurança, cores que trazem felicidade e calmaria, enfim, tudo projetado para o consumo e somente para esse fim, a ponto de fazer uma pessoa se sentir inútil ou anormal se ela não conseguir adquirir ou vivenciar esse estilo de consumo propagado pelo comercial do produto anunciado.
Outro exemplo fascinante é o poder de controle da mídia, pois conseguem manipular a massa de acordo com seus interesses, sejam eles quais forem. Por exemplo em um caso de escândalo ou de epidemia, quando os meios de comunicação divulgam as estatísticas sobre o percentual de dinheiro desviado no caso do escândalo e as providências que serão tomadas para punir os culpados, e ou quando se divulgam dados e comprovações sobre uma epidemia e os mecanismos que amenizarão os riscos, esses dispositivos de segurança conseguem fazer a massa aceitar que agora tudo voltou ao normal como um passe de mágica e como se a estatística e as prevenções anunciadas fossem absolutamente indiscutíveis e verdadeiras para garantirem a continuidade de uma vida normal.
Quando se reflete sobre o discurso utilizado na sociedade, admite-se a importância e a grandeza do papel da educação, pois quem desacreditou dela é porque a delimitou como uma instituição politizada tomada por um discurso destinado para manter a massa de cidadãos que deverão ser preparados somente para uma vida produtiva. A educação segundo Foucault é um mecanismo político capaz de manter ou de modificar o discurso, podendo até mesmo ser um recurso para uma técnica de controle dos indivíduos.
As instituições em geral estão sujeitas e dependem dessas técnicas de controle ou dispositivos de segurança, pois são recursos que sustentam o sistema econômico e a ideologia dominante, porém se faz interessante a reflexão de que o sistema capitalista não prega o esgotamento de recursos, muito menos a concentração de renda nas mãos de uma minoria, pois atualmente o equilíbrio do próprio sistema capitalista se encontra na necessidade de redução das desigualdades, pois o discurso que fazia o cidadão imaginar que ficará rico ou terá uma vida segura não é mais sustentado por uma ideologia quando os cidadãos conseguem enxergar a má distribuição de recursos, o desemprego, a inflação, e demais fatores problemáticos que fazem parte da vida em sociedade.
O próprio sistema capitalista deverá reagir e se readequar diante dos problemas e das crises financeiras atuais, e o discurso institucional ganhará uma roupagem nova e talvez o cenário social será outro, afinal o discurso tem uma influência fantástica na vida de um trabalhador que a credita plenamente que seu trabalho de quarenta horas semanais, suas faltas descontadas, suas horas extras e suas má remuneração não são sintomas comparados à escravidão, pois essa é a prova de que o discurso tem o poder de transformar a escravidão em liberdade através da ideologia dominante e do discurso de verdade.
– Prof. Dr. Jefferson Aparecido Dias – Doutor em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide de Sevilha (Espanha), Procurador da República de Marília e Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade de Marília.
– Valmir Bufalari – Licenciado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração (USC) na cidade de Bauru – SP. Bacharel em Direito na Universidade de Marília – UNIMAR. Mestrando do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília/SP.