Hoje, proponho aos leitores pensarmos alguns minutos a respeito de outro caminho de acesso à Justiça…
Durante um longo período, prevaleceu o entendimento de que a Justiça concentrava-se unicamente nas mãos do Estado e era alcançada por meio da aplicação correta da lei ao caso concreto. Possuindo como símbolo a Deusa Grega Têmis, filha de Gaia (Terra) e Urano (Céu), sempre se apresentou com olhos vendados, segurando em sua mão esquerda uma balança, como sinônimo de equilíbrio, e na mão direita uma espada, demonstrando força e poder de decisão.
No entanto, a crise vivenciada pelo Poder Judiciário, diante do expressivo volume de demandas, que muitas vezes são solucionadas quando não mais se nutre nenhum interesse por elas, fez emergir a constatação da necessária reforma desse método tradicional de solução de conflitos. Nesse contexto, a Justiça deve ser vista de olhos despertos, mostrando-se ágil, acessível, democrática e efetiva.
A nova visão de Justiça quer, portanto, um jurisdicionado satisfeito com a prestação recebida. Busca-se uma solução realmente efetiva ao problema vivenciado e, nesse segmento, a conciliação tem se sobressaído como meio adequado, uma vez que transfere os poderes que estavam basicamente concentrados com o Estado aos próprios interessados, com intuito de, conjuntamente, alcançarem uma melhor forma de resolverem a controvérsia.
Sendo assim, a conciliação deve ser cada vez mais estimulada, pois, incentiva as partes a se desarmarem de qualquer espírito de contenciosidade, visando à adoção do firme propósito de amigavelmente resolverem a divergência, com boa-fé e boa vontade, especialmente, atentando-se ao fato de que cada ser humano possui suas peculiaridades, sua cultura, suas histórias, enfim, sua forma particular de “ver” o mundo e se portar diante dele.
Pela própria tradição cultural, o ser humano tem a tendência de transformar rapidamente o conflito em uma disputa, passando a tratar a outra parte como adversária. A reflexão perde seu espaço e os envolvidos concentram todo o seu raciocínio na busca de construir novos argumentos e destruir os que foram formulados pelo outro. Há uma espécie de “cegueira”, fazendo prevalecer o posicionamento mais forte.
Nesse momento, todos deveriam se ater ao principal ensinamento de Sócrates, que buscou despertar nas pessoas o reconhecimento da própria ignorância, como alternativa positiva para o convívio: “só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”…
O pensamento socrático, de forma muito interessante, voltou-se a revelar a fragilidade do entendimento que cada um desenvolve, apontando para a necessidade e possibilidade de aperfeiçoá-lo por meio da reflexão. É extremamente necessário que as pessoas desenvolvam esse raciocínio…
Tratando-se especialmente de conciliação, é importante lembrar que o ser humano é um “poço” de emoções e sentimentos e que, naturalmente, pode se equivocar ou simplesmente ser “ignorante” sobre determinado assunto. Assim, com essa atenção, o diálogo iniciado tem muito mais chances de satisfazer os anseios das partes.
Até porque não tem sentido exigir da Justiça que retire a venda dos olhos, se cada um não for ao menos capaz de refletir acerca de seu comportamento: busco analisar racionalmente a situação e o conteúdo exposto pelo outro, ou apenas procuro meios de rebatê-lo, deixando sobressair hostilidade, pessimismo, raiva, descuido verbal, atribuições de culpa e julgamentos? … Pensem nisso!
E, para os que discordam, deixo uma frase muito sábia de José Saramago:
“Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia”.
Juliana Raquel Nunes – Chefe do Cejusc de Marília
Mestranda do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília/UNIMAR.
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