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E se o Presidente praticar um crime comum?

E se o Presidente praticar um crime comum?

Muitos alunos questionam, com certo assombro, quais as consequências jurídicas, conforme nossa Constituição, caso o Presidente da República pratique um crime comum, isto é, uma infração nitidamente penal. Sempre lhes ofereço o enunciado seguinte e pesco a opinião deles a respeito: “Imaginem que o Presidente, em um arroubo de ciúme doentio, em razão de sua bela esposa, venha a ceifar a vida de outro homem em crime tipicamente passional, o que ocorreria?”.

Caros constitucionalistas da terrinha, anotem, primeiro, que o Presidente da República possui irresponsabilidade relativa. Mas o que é isso? O Presidente, durante seu mandato, apenas pode vir a responder por algum crime se este tiver conexão com a sua função presidencial.

Vejam o que diz o artigo 86, §4º, da nossa Carta: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

Claro que é preciso definir, de antemão, o que significa atos atinentes ao exercício da função, capazes de gerar a responsabilização do Presidente, durante o mandato. Como ressalta o Ministro Alexandre de Moraes, “devem ter sido cometidos na sua vigência e, ainda, tratar-se de ilícitos penais praticados in officio ou cometidos propter officium”(1).

Logo, aqueles praticados antes da assunção da função ou aqueles que não possuam qualquer relação com o cargo, que não tenham sido praticados estritamente durante o exercício da função ou em razão da função, não sujeitarão o Presidente à responsabilização durante o mandato. Isso não significa que o Presidente não virá a responder por eles, mas isso se dará somente após o término do mandato. Logo, sobre aquele exemplo inicial paira irresponsabilidade relativa e o Presidente apenas responderá pelo homicídio após deixar a Presidência.

Mas imaginem que o Presidente tenha praticado o crime durante o mandato e em razão da função. Exemplo: “Presidente pratica atos de desvio de erário público em conluio com alguns Deputados”. Neste caso, o crime foi praticado em razão do cargo exercido. Digo também que o mesmo ocorreria até em crimes de homicídio, quando, por exemplo, o Presidente matasse determinada testemunha do desvio acima cometido. Novamente, poderia ele responder durante o exercício do mandato.

Todavia, há duas questões que devem ser ressaltadas. O fato de ter sido o crime praticado durante o mandato e em razão da função não significa possibilidade automática de responsabilização.

Para que o Presidente possa realmente responder a um processo judicial por crime comum será necessária uma autorização da Câmara dos Deputados, em um juízo de admissibilidade estritamente político. Para ser mais exato, é preciso que 2/3 dos membros da Casa votem favoravelmente ao processamento, após o parecer elaborado pela Comissão de Constituição e Justiça e defesa prévia do Presidente (art. 86, caput, CF).

Se houver o voto favorável como acima indicado, a denúncia, enfim, poderá ser recebida pelo Supremo Tribunal Federal, foro no qual o Presidente será processado com exclusividade (art. 102, I, b, CF), mesmo quando tenha praticado crime contra a vida. Se recebida a denúncia, será o Presidente afastado do cargo por 180 (cento e oitenta) dias. Caso o processo não tenha se finalizado neste prazo, retornará ao cargo, mesmo tempo em que o processamento continua.

Por outro lado, se a Câmara não autorizar o recebimento da denúncia, o Presidente será agraciado pela irresponsabilidade relativa, somente podendo ser processado, naquele caso, ao final do mandato. Insta lembrar que em todos os casos em que o processamento se dê apenas após o término do mandato, suspensa estará a prescrição.

Por derradeiro, devemos lembrar que o Presidente somente estará sujeito à prisão por crime comum após a sentença condenatória emitida pelo Supremo Tribunal Federal.


Emerson Ademir Borges de Oliveira
Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra. Professor da Universidade de Marília. Advogado.

(1) MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33.ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.52