Nos últimos dias, um tema extremamente polêmico predominou nas redes sociais: o denominado “Programa escola sem partido”, cuja proposta torna obrigatória algumas orientações quanto à postura do docente perante questões relacionadas ao cenário político, econômico e sociocultural, tanto no Brasil quanto externamente. Tal proposta seria incorporada à lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), legislação que define a organização do sistema educacional brasileiro.
O projeto de lei n° 867/2015, apresentado pelo deputado federal Izalci Lucas Ferreira do PSDB do Distrito Federal, prevê a denominada “não doutrinação política nas salas de aula”. Segundo art. 3º do referido projeto de lei: “São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdo ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.[1]
O PL “Programa escola sem partidos” prevê ainda a obrigatoriedade da afixação em todas as salas de aulas do ensino médio e na sala dos professores no ensino fundamental cartazes com procedimentos obrigatórios dos docentes em sala de aula. Tal cartaz foi intitulado “Deveres do professor”.[2]
O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.
Uma análise dos itens acima permite observar que as colocações do número um ao quatro não requerem discussão ou controvérsia, pois, além de refletirem exatamente o papel do EDUCADOR, representam os instrumentos necessários para a observância da pluralidade das ideias, liberdade de pensamento e respeito ao Estado laico. O profissional que se dedica à atividade de formar cidadãos conscientes reconhece a importância do desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo de seus alunos.
Clara evidencia da latente contradição da proposta consiste na obrigatoriedade de o docente respeitar a “educação moral” de acordo com as concepções dos pais. Primeiro ponto a ser considerado é a relatividade dessa afirmação, pois como contemplar as convicções dos pais em um Estado considerado laico, com a infinidade de religiões, crenças e costumes do povo brasileiro? Ainda, qual o benefício que a separação entre escola e sociedade poderá trazer para a formação ideológica do alunato?
Mas o que causa maior preocupação é uma afirmação presente em um conjunto de justificativas para apresentação do PL 867, pois, na tentativa de impedir o que foi denominado de “assédio ideológico”, a proposta pauta-se na afirmação de que “liberdade de ensinar – assegurada pelo art. 206, II, da Constituição Federal – não se confunde com liberdade de expressão; não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente, sob pena de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos estudantes, que formam, em sala de aula, uma audiência cativa”.[3]
Na verdade, segundo o referido artigo 206 da Constituição Federal “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios […] II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. Portanto, torna-se inviável assegurar tais princípios tolhendo a liberdade do docente em “divulgar o pensamento”, com a absoluta responsabilidade que a profissão de EDUCADOR lhe confere. As exceções deverão ser tratadas isoladamente e não massificando a opressão e promovendo alienação dos alunos perante o cotidiano até mesmo de sua comunidade.
A liberdade de expressão, dentro ou fora da sala de aula, foi arduamente conquistada durante os anos de redemocratização do Brasil, tornando inadmissível um retrocesso dessa natureza, principalmente de forma impositiva e em nome de um sistema educacional supostamente de qualidade, tendo em vista a degradante situação de nossas escolas e as péssimas condições de trabalho dos docentes.
O projeto de lei em questão demonstra a incerteza e insegurança de um país para com sua educação, resultando na inconveniência de muitos cidadãos em acreditar que o trabalho docente seja substituível e passível de intervenção. Tal proposta simboliza o desespero daqueles que imaginam deter a mente humana, retirando dela a oportunidade de refletir e conhecer a sociedade alienada e de cultura de massa em que se encontra o século XXI.
Nesse contexto torna-se de extrema importância os ensinamentos de Paulo Freire ao afirmar que “seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”. Ao EDUCADOR cabe a nobre função de assegurar a formação dessa consciência crítica, principalmente por meio da liberdade de pensamento e respeito absoluto à laicidade do Estado Democrático e à sociedade brasileira.
Profa. Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer – Doutora em Educação e docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília.
Valmir Bufalari – Graduado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração – USC/Bauru e Direito pela Universidade de Marília/UNIMAR. Mestrando do Programa de Mestrado em Direito/UNIMAR e Professor Coordenador da Rede Pública do Estado de São Paulo.
[1] PL 867/2015-Câmara dos Deputados – Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668
[2] Anteprojeto de lei estadual e minuta de justificativa. Escola sem partido. Disponível em <http://escolasempartido.org/component/content/article/2-uncategorised/484-anteprojeto-de-lei-estadual-e-minuta-de-justificativa>.
[3] Anteprojeto de lei estadual e minuta de justificativa. Escola sem partido. Disponível em <http://escolasempartido.org/component/content/article/2-uncategorised/484-anteprojeto-de-lei-estadual-e-minuta-de-justificativa>.